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Peter Atkins gostaria que não existisse um Deus, e por isso vai fazer sua ciência se adaptar ao desejo. Não é bem o que se espera de um cientista. (Foto: Denis Sacharnych/Wikimedia Commons)
Peter Atkins gostaria que não existisse um Deus, e por isso vai fazer sua ciência se adaptar ao desejo. Não é bem o que se espera de um cientista. (Foto: Denis Sacharnych/Wikimedia Commons)| Foto:

O químico Peter Atkins, da Universidade de Oxford, esteve recentemente em Portugal, onde lançou a edição local de seu livro Como surgiu o universo e deu uma entrevista ao físico Carlos Fiolhais, divulgada pelo jornal lisboeta Público. É uma demonstração bastante interessante de como funciona a mente de um ateu militante e cientificista.

Como diz o título do livro, Atkins se propõe a descobrir por que existe alguma coisa em vez do nada, tarefa que Fiolhais afirma não ser respondida inteiramente (a julgar pela entrevista, parece que não chegou nem perto de ser respondida, pra ser honesto). Mas o químico rejeita totalmente a hipótese de haver uma divindade criadora. “Gostaria de pensar que não foi [Deus]. Gostaria de pensar que a ciência, um dia, chegará ao ponto de poder dizer ‘sabemos como tudo começou’, e será muito empolgante”, afirma em determinado momento.

É assim que funciona: o ateu gostaria que Deus não existisse, e vai fazer o que for preciso para que sua ciência se encaixe nas suas premissas predeterminadas (justamente o comportamento que também se atribui à tal “ciência criacionista”). Para que a realidade se acomode a seus desejos, Atkins vai torcendo as coisas aos poucos. Começa a confusão misturando a origem de tudo com o início do universo. O Big Bang nós já sabemos suficientemente bem como se deu, a ciência nos oferece as melhores explicações, e Fiolhais vai lembrar Atkins que o pai da teoria foi justamente um padre jesuíta.

Mas isso não resolve nem de longe a questão central: por que existe algo em vez do nada? Dá para ver como Atkins se enrola com a noção de “nada”, ele afirma que a ciência “tem feito grandes progressos” na compreensão do nada, mas não chega ao centro da questão, que o nada é a não existência pura e simples (pois é, os filósofos já entenderam a coisa toda há muito mais tempo). Menos mal que Atkins recuse terminantemente a solução de Lawrence Krauss, das “flutuações quânticas”, que ele classifica como “batota” (em português brasileiro, é picaretagem mesmo), mas não consegue oferecer nenhuma alternativa. Limita-se a dizer que um dia a ciência chegará lá, a boa e velha fé (a palavra é essa mesmo) cientificista, e que não precisa da filosofia nem da teologia, “ambas formas corruptas de entender o mundo”, recorrendo a uma retórica que ficaria bem num adolescente da Atea, mas não num professor de Oxford: “não existe qualquer prova da existência de um deus; e, em segundo lugar, como pode um deus criar coisas, como pode um deus criar o universo”. Ora, se Deus não pudesse criar coisas, criar o universo, que raio de Deus seria esse?

Não sei o que Fiolhais pensa hoje sobre ciência e fé (os textos dele que achei são de mais de dez anos atrás, e pareciam se inclinar para a recusa da noção de incompatibilidade), mas vejo como é complicado tentar entabular um diálogo produtivo sobre o tema com alguém como Atkins, que não hesita em lançar mão de clichês toscos e preconceitos para defender suas ideias.

Pequeno merchan

Além de editor e blogueiro na Gazeta do Povo, também sou colunista de ciência e fé na revista católica O Mensageiro de Santo Antônio desde 2010. A editora vinculada à revista lançou o livro Bíblia e Natureza: os dois livros de Deus – reflexões sobre ciência e fé, uma compilação que reúne boa parte das colunas escritas por mim e por meus colegas Alexandre Zabot, Daniel Marques e Luan Galani ao longo de seis anos, tratando de temas como evolução, história, bioética, física e astronomia. O livro está disponível na loja on-line do Mensageiro.

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