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Estamos diante de uma geração de jovens mais propensa a ter uma visão menos maniqueísta sobre ciência e fé?
Estamos diante de uma geração de jovens mais propensa a ter uma visão menos maniqueísta sobre ciência e fé?| Foto: Pham Trung Kien/Pixabay

Sabem aquela história de que os jovens são a esperança do mundo etc. etc.? Sabemos que nem sempre é assim, que jovem muitas vezes age no impulso, sem a maturidade e a reflexão que a experiência traz, que pode ser mais propenso a cair em contos de fada ideológicos e identitários, essas coisas. E logo alguém lembrará do célebre conselho de Nelson Rodrigues aos jovens: “envelheçam!” Mas um estudo recentemente publicado na Inglaterra permite ter uma ponta de esperança nesses moços, pobres moços: os mais jovens têm menos tendência a acreditar na lorota da guerra entre ciência e fé, e são mais propensos a conciliar a religião com o que a ciência diz sobre vários temas, incluindo a Teoria da Evolução.

Uma pesquisa com 5 mil britânicos feita em 2021, como parte de um projeto de três anos envolvendo o think tank Theos e o Instituto Faraday para Ciência e Religião, da Universidade de Cambridge, mediu a temperatura atual do debate sobre ciência e fé no Reino Unido e descobriu que uma coisa é perguntar às pessoas genericamente sobre “ciência e fé”, e outra é ir mais fundo no que essa relação realmente significa. É quando se começa a perguntar às pessoas sobre como ler um livro sagrado, sobre o que significa ser humano, sobre como sabemos aquilo que sabemos, sobre se progresso científico é necessariamente progresso ético ou moral, que parte do suposto antagonismo desaparece. Parece que todo o movimento de hostilidade à religião que vem lá da fake history de Draper e White e foi intensificado pelo Novo Ateísmo realmente deixou sua marca quando as pessoas pensam genericamente em “ciência e religião”, mas isso está mais pra um recall psicológico que para uma convicção autêntica, que se desfaz, ao menos em parte, quando as perguntas certas são feitas e as pessoas precisam quebrar a cabeça um pouco mais.

Precisamos trazer os jovens para uma conversa mais adulta e multifacetada, para afastar os equívocos que ainda persistem e fazer deles multiplicadores de uma visão muito mais madura sobre ciência e fé

O relatório é longo e tem muitos dados interessantes, mas hoje me concentro no recorte de faixa etária, que está nas tabelas que acompanham o estudo. É verdade que a faixa de 16 a 29 anos ainda parece ter uma “fé na ciência” que supera a dos mais velhos, no sentido, por exemplo, de confiar que um dia a ciência terá todas as respostas, ou de duvidar que há coisas que a ciência jamais conseguirá explicar. Mas, em comparação com a média, os mais jovens também tendem a ter uma visão melhor da religião e a rejeitar os slogans neoateístas. Por exemplo, 55% deles discordam da afirmação “a fé é como a varíola, mas mais difícil de erradicar”, feita em 1997 por Richard Dawkins – foi a maior porcentagem entre todas as faixas etárias, enquanto a média dos entrevistados foi de 50%. Sua aceitação da ciência da evolução e do Big Bang é maior que a média (respectivamente, 81% a 73%, e 72% a 59%). Pouco mais de um terço deles (34%) consideram que ciência e fé são compatíveis, superando todas as outras faixas de idade. No recorte feito pelo Theos, a Geração Z se sai bem ao discordar da afirmação “você não pode ser ao mesmo tempo religioso e um bom cientista” (68% contra média de 59%) e ao concordar que é possível crer em Deus e aceitar a Teoria da Evolução (64% contra média de 48%).

É claro que ainda há um bocado de confusão e mal-entendidos também entre os jovens. O questionário incluiu afirmações do tipo “Quanto mais sabemos sobre (o Big Bang/neurociência e o cérebro/o corpo humano/o universo etc.), mais difícil é ser (religioso/ateu/cristão/muçulmano)”, para que os entrevistados afirmassem concordar ou discordar. E o grupo de 16 a 29 anos normalmente ficou acima da média quando se tratava de afirmar que sim, quanto mais alguém conhece uma ciência específica, mais difícil seria ter uma fé religiosa ou ser cristão – a diferença aparecia quando se mencionava o Islã.

Como diz Nick Spencer, do Theos, em seu blog, muita gente ainda acredita que a divisão se dá entre os que falam em “ciência versus religião”, “ciência ou religião” ou “ciência e religião”, mas para ele uma polarização mais real é aquela que se dá entre os que preferem “uma conversação complexa, litigiosa, desorganizada, mas profunda, e os que estão felizes em ficar revolvendo a água na parte rasa da piscina”. Lentamente, está ficando claro que esse segundo grupo está finalmente perdendo o gás. Eles já geraram muito calor e fumaça, mas nada de luz. Agora precisamos trazer os jovens para essa conversa mais adulta e multifacetada, para afastar os equívocos que ainda persistem e fazer deles multiplicadores de uma visão muito mais madura sobre ciência e fé, a relação entre elas, os limites de cada uma e seu lugar na sociedade.

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