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"Então, meu jovem, o que ainda vão escrever de fake news sobre mim por aí não está no gibi." (Imagem: Reprodução)
"Então, meu jovem, o que ainda vão escrever de fake news sobre mim por aí não está no gibi." (Imagem: Reprodução)| Foto:

Chegou ao meu conhecimento um editorial do Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, assinado por Fernando de Andrade Quintanilha Ribeiro e chamado “A metanálise”. O tema do texto é o caso Galileu, o que é um tanto estranho considerando o escopo dessa publicação acadêmica. Como a moral da história é “Não acreditem ‘piamente’ em todas as metanálises e não queimem impensadamente na fogueira os incrédulos e divergentes”, pode até ser que o pobre do Galileu tenha entrado na história apenas como metáfora de alguma coisa que está acontecendo no meio dos otorrinolaringologistas e que me escapa no momento, hipótese mencionada pelo amigo que me mostrou esse texto.

Duro é que o artigo inteiro está cheio de erros históricos. Para começar, todos sabemos que Roberto Belarmino é santo, doutor da Igreja e tudo o mais, mas agora descobrimos que ele era um talento precoce. Nascido em 1542, com apenas um ano de idade, a julgar pelo que escreve Quintanilha, ele já era cardeal e encomendara um estudo sobre a hipótese heliocêntrica a pedido de um fantasminha: o papa Clemente VII, que em 1543 estava devidamente morto e enterrado havia nove anos (e o Clemente seguinte, o VIII, tinha apenas 7 anos em 1543). Na verdade, o evento definidor de 1543 no que nos diz respeito é a publicação da obra de Nicolau Copérnico sobre o heliocentrismo. Quintanilha nos diz que Copérnico “quase foi preso por blasfêmia” e publicou o De Revolutionibus na condição de “perseguido e doente”. Disso tudo, só o “doente” é verdadeiro, pois Copérnico jamais foi incomodado pela Igreja. Na verdade, suas teorias despertaram bastante interesse em Roma antes mesmo da publicação do livro. Depois da publicação do livro e da morte de Copérnico, o assunto passou quase que ignorado, do ponto de vista religioso (com exceção de algumas críticas), até os processos inquisitoriais de Galileu.

Em seguida, o autor inventa uma “feroz perseguição” a todos os heliocentristas; temos o momento “menino do Acre”, em que Giordano Bruno vai à fogueira não por suas teses sobre temas de teologia, mas pela defesa do heliocentrismo (o que, bem sabemos, é lorota pura), e finalmente chegamos a Galileu, que teria abjurado de suas teses heliocêntricas “antes de ir para a masmorra“, quando na verdade ele jamais viu uma masmorra inquisitorial, pois, durante o processo, ficava muito bem hospedado em Roma, seja nos prédios das representações diplomáticas florentinas, seja em quartos reservados aos clérigos da Cúria Romana. E, com o processo encerrado, Galileu não foi para masmorra nenhuma, e sim para sua casa em Arcetri, para cumprir sua prisão domiciliar em termos bem camaradas. Para completar, a história do “Eppur si muove“, que não tem nenhum embasamento factual ou testemunhal. Justiça seja feita, o papa reinante na época do segundo processo de Galileu era mesmo Urbano VIII, mas não consta que ele estivesse presente à sessão da Inquisição na qual Galileu fez sua retratação.

Diante de tanta fake news, difícil pensar em quem pisou mais na bola: o autor do texto ou o editor que o publicou.

Pequeno merchan

Além de editor e blogueiro na Gazeta do Povo, também sou colunista de ciência e fé na revista católica O Mensageiro de Santo Antônio desde 2010. A editora vinculada à revista lançou o livro Bíblia e Natureza: os dois livros de Deus – reflexões sobre ciência e fé, uma compilação que reúne boa parte das colunas escritas por mim e por meus colegas Alexandre Zabot, Daniel Marques e Luan Galani ao longo de seis anos, tratando de temas como evolução, história, bioética, física e astronomia. O livro está disponível na loja on-line do Mensageiro.

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