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Ni Hao,

Este é meu último post antes de eu voltar ao Brasil de férias. Sim, de novo!  Nós chegamos aqui em 2011, ou seja, há quase dois anos. Dois anos? Peraí! O que aconteceu com 2012? Por que essa sensação de que o tempo não tem mais tempo, engatou a terceira e de que nós viramos meros retardatários?

Bem, exatamente como no ano passado, estou no meio do ritual de compras de presentinhos para parentes e amigos. Mas este ano eu fui mais esperta: fiz todas as compras no taobao , a maior loja virtual do mundo! A China inteira compra deles. Vocês podem ler mais sobre o taobao no excelente blog da Christiane que mora na China e que conta suas experiências de uma forma leve e bem humorada.

Não, leitores, não estou tendo uma crise de identidade. Essa Christiane não sou eu, e foram exatamente estas coincidências que fizeram com que nos encontrássemos. A Christiane Marote já vive há nove anos do outro lado do mundo e é praticamente uma chinesa, não é Chris?

Bom, tudo isso para dizer que comprei echarpes, bonecas, roupas, bolsas, fantasias, relógios entre outras coisas e que tudo, tudo mesmo, está sendo entregue no máximo em quatro dias. Vocês me ouviram falar em dias úteis? Não, porque aqui qualquer dia é dia útil.

compras

Isso vale também para as lojas de rua, sejam grandes ou pequenas. O Carrefour já entregou uma geladeira aqui em casa um dia depois de comprá-la (eu comprei num sábado!). E na Baixaria (uma rua chinesaça que vende produtos falsificados) as lojas ficam abertas mesmo aos domingos, 10:30 da noite.

Esta disposição para o trabalho não é privilégio apenas das pessoas jurídicas. A Liu, há dois anos trabalhando comigo, nunca faltou um dia sequer. Seu salário continua o mesmíssimo de quando a contratei: 3.500 RMB (R$ 1.600). O marido dela, que leva as crianças para escola todos os dias de manhã em seu carro, nunca se atrasou! Muito menos faltou.

Isso tudo me faz pensar em como as coisas são diferentes no Brasil.

Minha sogra ganhou um micro-ondas de aniversário e estava toda feliz por que ia ser entregue em seis dias úteis. Nós mobiliamos nossa casa inteira (micro-ondas, mesa, cadeira, cama, armário, geladeira, colchão etc etc etc) em uma semana!!!

Minhas amigas vivem pedindo indicação de empregada pelo Facebook, por que as suas ou desaparecem, ou chegam atrasadas, ou faltam, ou querem aumento de salário. Eu, quando no Brasil, passei bons anos da minha vida tensa, sem saber se a empregada ia conseguir chegar para ficar com as crianças e me liberar para ir trabalhar. Meu Deus, como isso era ruim! Um sentimento de amor, ódio e impotência.

Mas por que somos tão diferentes dos chineses?

Vou arriscar alguns palpites. Olhem só. A Liu e o marido moram perto aqui de casa, ou seja, na China (ou melhor, em Shenzhen) uma empregada doméstica pode dividir o mesmo bairro com o patrão, sem necessariamente morar na favela. Ela pega ônibus com ar condicionado por 1 RMB (R$ 0,33) e em 10 minutos está chegando aqui. Isso sem mencionar que ela dança todos os dias de manhã e recentemente passou a estudar inglês nas quintas-feiras.

A filha única (única por que o Governo não permitiu que tivesse mais filhos) acabou o Ensino Médio, pelo qual a Liu e o marido pagaram um valor muito baixo. E, infelizmente, daqui a dois anos eu vou perder a Liu. Mas por uma boa causa: ela vai se aposentar aos 50 anos!

Agora, pensem nas coitadas das nossas empregadas no Brasil. Quando morava no Rio, a Helena, que foi a segunda mãe dos meus filhos, saía de Duque de Caxias às 7 da manhã, pegava trem da Central e ônibus para chegar às 9 em Copacabana. Isso com quase 60 anos.

A Nana, outra “ex-empregada-atual-amiga”, passava quase três horas indo para o trabalho e mais duas horas voltando, todos os dias. Isso para não deixar os três filhos sozinhos em casa. E o que aconteceu? O filho do meio morreu de bala perdida. O mais velho, pai aos 14 anos, morreu de bala encomendada mesmo.

Outro palpite é que essa disposição para o trabalho não seja reflexo de um povo menos preguiçoso ou com melhores condições de vida do que o nosso, mas apenas uma prosaica questão de lei da oferta e da procura. Um bilhão e trezentos milhões de pessoas precisando, desesperadamente, trabalhar faz com que cada um dê o melhor de si para não ficar desempregado. O que também faz com que os patrões deitem e rolem no desrespeito aos direitos do trabalhador. Além disso, quem não trabalha não tem direito a assistência médica gratuita, ou seja, se ficar doente, morre. Mas isso é outra história.

Bom, não sou socióloga e seria leviano de minha parte tentar explicar a China, onde a diferença entre os mais ricos e os mais pobres é tão grande quanto a do Brasil. Também não tenho muita certeza se estou generalizando uma realidade da região do Cantão. Mas uma coisa é certa: os chineses trabalham muito e não é a toa que este país está crescendo do jeito que está.

Eu, de minha parte, rezo para ver meus netos e os netos das minhas ex-empregadas vivendo num país que proporcione a todos melhores condições de vida. Aliás, rezar é pouco. Pelo andar da carruagem, vai até dar tempo de ir para as ruas participar de algum protesto!

Brasil, até breve!

Marque Berger

 

 

 

 

 

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