Empatia

Boleto+1: mulheres unidas pela solidariedade

14/07/2022 14:25
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Em 2021, a Boleto+1 entrou no Programa de Aceleração de Comunidades do Facebook. | Bigstock

Você já imaginou poder ajudar alguém totalmente desconhecido pagando gás, luz ou as despesas do bebê dessa pessoa? Eu sei que muita gente, principalmente durante a pandemia, ficou com uma vontade maior de ajudar, mas muitas vezes não sabia como fazer ou para quem destinar a doação. Foi pensando em criar uma ponte entre pessoas necessitadas e aquelas dispostas a ajudar que em 2020 a Priscila Guerra criou a comunidade Boleto+1 no Facebook, que hoje conta com 59,5 mil participantes, sendo 99% mulheres.
Priscila Guerra.
Priscila Guerra.
A comunidade nasceu na primeira semana de isolamento social provocado pela pandemia, com o objetivo de apoiar afetiva e financeiramente mulheres que não tinham, naquele momento, condições de trabalhar, ou que tiveram seu sustento comprometido de outras formas. O propósito da Boleto+1 é que mulheres, pessoas trans e travestis em situação de vulnerabilidade construam, conjuntamente, um caminho em busca de autonomia, por meio de uma rede de apoio em um espaço seguro, acolhedor e educativo.
Ao longo desses pouco mais de dois anos, ao menos 3.200 famílias já foram apoiadas diretamente e mais de R$ 340 mil já trocaram de mãos no grupo. Além dos apoios diretos, as membras têm a oportunidade de anunciar seus produtos e serviços na comunidade, que se transforma em uma grande vitrine.
Em 2021, a Boleto+1 foi selecionada para participar do Programa de Aceleração de Comunidades do Facebook. A equipe passou por treinamentos de gestão e liderança, e teve a oportunidade de desenvolver um projeto que trouxe muito mais conteúdo de qualidade e atividades para a comunidade, como grupos de apoio psicológico e jurídico.
Priscila Guerra, Monique Prada e Caroline Falero administram o grupo Boleto+1 .
Priscila Guerra, Monique Prada e Caroline Falero administram o grupo Boleto+1 .
Ao fim do Programa de Aceleração, a comunidade foi escolhida para receber recursos adicionais do programa, o que, além de garantir a manutenção de diversas atividades, também é um importante reconhecimento e incentivo para que façamos cada vez mais.
Hoje a Boleto+1 conta com três administradoras e uma moderadora, que juntas moderam todos os pedidos de ajuda postados no grupo diariamente. Perguntei para a Priscila como é a relação com a credibilidade dos pedidos de ajuda, visto que não existe uma triagem para verificar a veracidade deles.
“Trabalhamos muito para manter um ambiente em que as pessoas se sintam seguras. A segurança é fundamental tanto para as pessoas que estão postando pedidos, e que muitas vezes expõem questões pessoais, quanto para quem está oferecendo apoio. As regras do grupo estão em constante aperfeiçoamento para que possamos criar esse ambiente confiável. Aqui é importante destacar o papel da moderação: os pedidos de entrada no grupo são aprovados individualmente, todos os posts são aprovados por uma administradora ou moderadora, e temos um procedimento próprio para denúncias de irregularidades”, explica.
O principal, eu acredito, é nossa presença constante no grupo. Ele pode parecer grande, mas nós conhecemos muitas membras pelo nome, sabemos as histórias dos filhos, das famílias. Muitas das pessoas que apoiam também criam essa proximidade com as membras, o que, ao meu ver, é fundamental para o desenvolvimento da confiança.
“Um ponto que eu acho importante destacar é que nós entendemos que o nosso trabalho é garantir que a pessoa exista e que siga as regras do grupo, e não necessariamente que a pessoa esteja precisando da ajuda que diz precisar. Eu parto do pressuposto de que seja verdade, mesmo porque a maioria das pessoas que fazem pedidos no grupo está em extrema vulnerabilidade econômica e social”, diz Priscila.
Histórias marcantes não faltam na Boleto+1. Bem no início do grupo, uma membra estava se deslocando de São Paulo para Paraty quando as divisas foram fechadas em função da pandemia. Ela é celíaca e ficou sem hospedagem e alimentação adequada. Pediu apoio no grupo e foi acolhida por outra membra, que providenciou alimentação especial. Posteriormente ela também conseguiu apoio financeiro para retornar para sua cidade.
Achei sensacional essa história, pois ela reforça o que sempre trago nesta coluna para vocês: a força transformadora das conexões geradas dentro das comunidades virtuais. Na descrição do grupo Boleto +1 fica claro esse objetivo: “O nosso ponto de encontro é virtual, mas o impacto na vida de cada uma de nós acontece na vida real”.
Mesmo com inúmeras histórias, o maior volume de posts dentro da comunidade ainda são os de pedidos, principalmente por alimentos, gás, fraldas e fórmulas para bebês, mas também existem muitas solicitações de ajuda para pagamento de aluguel e contas básicas.
Como a imensa maioria das participantes do grupo são mulheres, nos referimos umas às outras como membras e nos chamamos de “boleteiras”. Temos importantes apoiadores homens, que estão com a gente desde o início do grupo. No momento, contudo, são aceitas apenas mulheres cis e trans como novas membras.
Hoje a Priscila Guerra divide a administração do grupo com a Monique Prada e Caroline Falero, e as meninas têm muitos planos para o futuro: “Hoje muitas das nossas membras precisam de apoio financeiro. Nosso maior objetivo é que elas, com o apoio do grupo, passem a conseguir pagar seus próprios boletos — e, quem sabe, ainda apoiar alguém que esteja precisando. Para isso, queremos apoiá-las de outras formas: com cursos e capacitações, com informação de qualidade, com a divulgação de seus produtos e serviços”, diz Priscila.
Para conhecer um pouco mais da comunidade siga a página das meninas no Instagram: @boletomaisum.