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Josimar elogia a moqueca de shiitake e palmito, do restaurante Le Manjue, em São Paulo.

Foto: Victor Moriyama/Folhapress
Josimar elogia a moqueca de shiitake e palmito, do restaurante Le Manjue, em São Paulo. Foto: Victor Moriyama/Folhapress| Foto:

O caderno Comida, do jornal Folha de São Paulo, publicou na quarta, 27, dois textos do crítico de gastronomia Josimar Melo depois de seis dias de uma “dieta vegana” (não conto o último dia porque ele comeu uma dobradinha). Você pode ler neste link uma espécie de diário e neste outro, uma conclusão. Suas experiências foram cozinhando de casa e comendo em restaurantes veganos, com inclinação a ser natural e também nos “comuns”. No sexto dia, foi jantar na casa de uma amiga, que cozinhou um prato especial para ele.

Josimar Melo é um dos principais críticos de gastronomia do Brasil e o fato de ele não ter gostado de se alimentar como um vegano é um problema dele. E as consequências disso, também. Um dos pontos de seu texto evidencia uma tendência ao bem-estarismo – uma corrente que prega que os bichos devem ser criados soltos e abatidos sem estresse ou dor – e até chegar nesta parte, tudo o que estava escrito antes já tinha enfurecido metade da internet. E mesmo os ativistas mais ferrenhos, que defendem toda a forma de vida animal (e discordam do bem-estarismo), estavam prestes a verbalizar que o melhor era ter a cabeça do crítico rolando timeline abaixo. Achei exagerado, para não dizer contraditório.

Pelo tom do texto, parece-me que Josimar acordou no primeiro dia com a ideia fixa de que uma dieta vegana não é normal (ah, essa palavrinha!). Foi à cozinha fazer um macarrão (que parece delicioso pela descrição, aliás) e ficou contrariado nos dias seguintes quando chegou à conclusão que teria que “transformar sua cozinha em uma farmácia”. Bem disse uma amiga minha: qualquer dieta que for feita de supetão vai deixar uma impressão ruim. Uma semana de dieta brusca não convence ninguém.

Conversei com o Josimar por telefone na manhã de quinta, 28. Ele me contou que a ideia de experimentar a mudança de hábitos surgiu em uma conversa dentro da redação. A ideia é boa, não? Eu respeito o trabalho do Josimar, mas fiquei decepcionada com a sua abordagem do tema. E, tudo bem, cada um tem a sua opinião e suas decepções – a dele foi a comida; a minha, a superficialidade do texto. O que tem que ficar claro é que foi um texto opinativo (assim como este é), não uma reportagem investigativa ou científica, por isso ele preferiu citar nutricionistas ou teorias com as quais ele concorda. Era para ser parcial. E ele não estava disposto a mudar seus hábitos alimentares, apenas experimentar “na pele”.

Josimar elogia a moqueca de shiitake e palmito, do restaurante Le Manjue, em São Paulo. Foto: Victor Moriyama/Folhapress

Josimar elogia a moqueca de shiitake e palmito, do restaurante Le Manjue, em São Paulo.
Foto: Victor Moriyama/Folhapress

Ter uma opinião não garante que os argumentos usados são válidos ou mesmo verdadeiros. Não vou rebater frase a frase. Um batalhão de vegetarianos já fez isso pelo Facebook e nos comentários da Folha, muitos extremamente agressivos. Gostaria de entender o que leva alguém que conhece tanto de gastronomia usar um tom tão provocativo (ele nega o adjetivo) e encarar a dieta como algo exótico; uma “provação”, para citar uma palavra usada no texto. Sua explicação: “Fiz um texto opinativo, falei do que gostei e do que não gostei. A moqueca de palmito com shiitake do Le Manjue era deliciosa, mas eu morreria se comesse isso todos os dias”. Não é que ele não gostou da dieta. Achou pobre nutricionalmente e gastronomicamente porque não quis levar em conta que a mudança de hábito requer repensar toda a alimentação. Para um crítico de gastronomia e onívoro inveterado, a reação é óbvia. Faltou ponderação: Josimar não fez questão de colocar o lado dos veganos (mas a Folha publicou um depoimento de um repórter que é vegano. Leia aqui.), nem os mais indignados tentaram um diálogo. Chispa dos dois lados.

Lancei os links no meu perfil do facebook na quarta-feira e ninguém concordou com uma vírgula do texto, em parte porque praticamente só vegetarianos e simpatizantes se interessaram pela história. Repito aqui o que falei lá: o que mais me incomodou é a ligação que ele faz da dieta com saúde e da série de “argumentos” que partem daí. Ninguém vira vegetariano para ter mais nutrientes na dieta, isso é uma consequência do que você escolhe colocar no prato – e aí tanto faz se você come carne ou não. Josimar me disse: “Se a pessoa virar vegano e não adaptar a alimentação, só tirar alimentos, vai ter deficiências sérias. Os veganos caxias não têm deficiências porque ’criaram’ outro tipo de comida, vão ao médico”. E não é verdade? O Ricardo Laurino, da Sociedade Vegetariana Brasileira, citou um dado importante sobre a deficiência da vitamina B12, presente em produtos de origem animal: 90% dos veganos e 50% dos onívoros estão carentes dessa vitamina. Em outras palavras, comer de tudo não significa absorver e sintetizar todos os nutrientes e substâncias.

Montar aquele PF de arroz, feijão, salada e bife não é intuitivo nem “natural” (no sentido de normal, usual). É cultural, e, convenhamos, a maior parte das pessoas é capaz de misturar batata, arroz e macarrão em um mesmo prato. Pobreza nutricional, com carne ou sem. Exemplos não faltam de onívoros “subnutridos e com olheiras” e atletas veganos. (Pra mostrar um só, a Fernanda Frozza do recém-inaugurado blog Vegê, no portal do Terra, fala do homem mais forte do mundo. Vegano.)

Quando terminei a leitura, fiquei com a impressão de que o interlocutor imaginado por Josimar é uma pessoa em dúvida sobre “o que é isso de veganismo?” e potencialmente preconceituosa em relação a uma dieta sem carne. Vocês sabem, existe muita gente que reage à frase “não como carne” como se tivesse ouvido “só ando sem calças”. Para elas, soa absurdo. Algumas pessoas não estão interessadas mesmo (friso: mesmo) em mudar o que come. Não acho que seja nossa função gritar no ouvido delas o quanto elas são más e insensíveis, até porque quero acreditar que ninguém se mantém onívoro por sadismo. Novamente: cada um tem seu tempo e sua forma de se adaptar. Algumas pessoas não vão deixar de fazer churrasco todo fim de semana, outras vão passar a comer apenas carne branca, outras vão cortar tudo de uma hora para outra. Cada um tem sua filosofia de vida e é assim que gira o mundo, por mais decepcionante que seja (principalmente quando a resistência ao vegetarianismo vêm de pessoas que você quer bem, como amigos e família).

Eu realmente acho a carne dispensável no cardápio e não vejo a alimentação vegana balanceada como “transformar a cozinha em uma farmácia”, apesar de gostar muito daquela máxima de Hipócrates “Faça do seu alimento o seu remédio”. A coisa vai além de uma disputa entre veg(etari)anos e onívoros. Não é uma questão de quem tem a razão, é uma escolha pessoal, mais complexa que saúde, paladar ou certo e errado. Um arranjo de motivos que não é ignorado pelo crítico, mas infelizmente não consta no texto. Para mim, ele falou muito sobre o viés político do veganismo, como se existisse uma ordem de um “partido”. Como se todo mundo que optasse por esse estilo de vida fosse cego e teimoso. No texto, fica claro que ele não considera natural colocar mais grãos, castanhas e outros ingredientes que “compensem” a carne. Também por isso, passou do ponto. Não deu liga. Faltou mistura, Josimar.

 

Em tempo: é fácil discordar de alguém, difícil é tentar compreendê-lo e respeitá-lo. Se você não concordou com o meu texto ou com o de Josimar, comente enumerando argumentos, e não ofensas pessoais. Obrigada.

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