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Energia em 2022
Em 2022, abastecimento de energia e conta de luz continuam afetados pela crise hídrica. Na imagem, o vertedouro da hidrelétrica de Itaipu.| Foto: Caio Coronel/Itaipu

2021 ficou marcado como o ano de pior hidrologia em mais de nove décadas. Com pouca água chegando aos reservatórios das hidrelétricas brasileiras (que ainda representam cerca de 65% da geração de energia do país), o setor elétrico viu os custos de operação avançarem com força em face de medidas adotadas para evitar racionamento e apagões.

Para o consumidor, o preço de acionar o interruptor disparou com a adoção progressiva de bandeiras tarifárias para pagar pelas fontes mais caras – com destaque para as termelétricas – que passaram a ser acionadas de modo amplo. Em 2021, a energia elétrica residencial ficou 21,21% mais cara, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Agora, a crise hídrica dá sinais de que ficou no passado, mas a conta de energia elétrica seguirá elevada ao menos até o final de abril. Esta certeza é resultado da bandeira escassez hídrica, que acresce R$ 14,20 a cada 100 quilowatts-hora consumidos e permanecerá em vigor durante todo o primeiro quadrimestre de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A vigência foi estabelecida quando da sua criação, em agosto, de olho em auxiliar na recuperação dos reservatórios durante o período chuvoso. Mas os reflexos da crise não param aí.

As heranças de 2021

Segundo a Aneel, a arrecadação decorrente da bandeira extraordinária é insuficiente para arcar com os custos reais da geração que foi necessária para dar conta do fornecimento e evitar desabastecimentos durante os meses de afluência desfavorável. O diretor de Regulação da TR Soluções, Helder Sousa, destaca que o déficit da Conta Centralizadora dos Recursos de Bandeiras Tarifárias (CCRBT) é bilionário.

A expectativa da empresa, especializada em tarifas de energia, é de que "os custos de responsabilidade da CCRBT não cobertos pelas receitas da conta passem dos R$ 17 bilhões, quando somados os saldos de cada processo tarifário de 2022", ressalta Sousa. O montante corresponde aos valores pagos pelas distribuidoras, mas sem cobertura tarifária, ou seja, é um rombo que precisará ser coberto. Essas pontas soltas poderão fazer com que a fatura de eletricidade do brasileiro sofra reajuste de, em média, 19% no ano, puxado principalmente pelos efeitos da crise hídrica, com peso de 12 pontos percentuais. A estimativa da Aneel é de alta de 21,04%.

A conta feita pela TR Soluções leva em consideração "todos os elementos do cálculo tarifário utilizados pela Aneel para definir as tarifas de cada distribuidora", diz o representante da empresa. Além do citado déficit projetado para 2022, há também a inflação (utilizada para reajustar o preço dos contratos de compra de energia mantidos pelas distribuidoras e do custo do serviço de distribuição) e os encargos, principalmente a Conta de Desenvolvimento Energético.

Sousa reforça que um regime mais típico de chuvas em 2022 não seria suficiente para devolver "normalidade" às faturas do setor, justamente porque a maior parte dos custos a serem cobrados dos consumidores em 2022 se referem a passivos de 2021. "A normalidade das condições hidrológicas pode amenizar os efeitos a serem percebidos em 2022, mas não eliminá-los, mesmo porque a inflação acumulada tende a pressionar as tarifas, independentemente do regime de chuvas", completa.

As altas são esperadas para as revisões tarifárias das distribuidoras, a serem autorizadas pela Aneel e nas quais será alocado todo esse custo adicional pela crise. Sobre esses reajustes vindouros, o analista de Energia e Saneamento Victor Burke, da XP, acredita, entretanto, que ainda é possível esperar por novos diferimentos a serem aplicados pela Aneel para diminuir o efeito percebido pelo consumidor e evitar que a conta chegue toda de uma vez.

É o que está previsto, por exemplo, com a possibilidade de empréstimos às distribuidoras (confirmada em medida provisória), em pagamentos que serão feitos na tarifa, mas de modo "diluído". "Não é nada novo, são heranças dos anos passados", classifica Burke, rememorando também a chamada Conta-Covid, operação financeira idealizada para dar liquidez às distribuidoras e amenizar a tarifa aos consumidores em meio à crise sanitária provocada pela pandemia.

Bandeiras mais confortáveis para o consumidor de energia

Até 30 de abril, os R$ 14,20 por 100 kWh consumidos, definidos pela bandeira escassez hídrica, seguirão vigentes. Em decisão recente, o Comitê de Monitoramento de Segurança Energética (CMSE) confirmou a continuidade do despacho térmico no período, ainda que limitado a 15 gigawatts médios, de modo a alcançar um cenário mais equilibrado para poupar reservatórios sem elevar muito os custos. Mas, e depois?

Segundo o analista regulatório da consultoria especializada Megawhats, Lucas Frangiosi, a projeção de maio até o final do ano [de 2022] permite ver alguns cenários tanto com bandeira amarela, com adição de R$ 1,84 por 100 kWh consumidos, quanto com bandeira verde, livre de cobranças extras.

Burke, da XP, concorda que as bandeiras devem ficar mais módicas, mas sem perspectivas para o fim das taxas adicionais antes de 2023. "Dado que a hidrologia melhorou muito, o despacho térmico deve cair bastante [a partir de maio] e, aí sim, a gente deve entrar em bandeiras mais confortáveis para o consumidor ao longo do resto do ano. Deve converter em uma bandeira um pouco mais módica, saindo da Escassez Hídrica e descendo para uma bandeira até amarela", avalia.

Ainda sobre a esperança da volta da bandeira tarifária ao patamar verde, a avaliação de Helder Sousa, da TR Soluções, é de que o cenário dependerá do regime de chuvas. "Se em todo 2022 os despachos térmicos forem reduzidos e as condições hidrológicas forem mais favoráveis, a tendência é de redução dos custos extras de geração", resume.

Acabou a crise hídrica?

Em relatório sobre o setor elétrico, o Banco Inter avalia ser cedo para cravar uma resposta, mas elenca indícios de "um futuro mais animador" para o segmento. O país registrou melhora da precipitação a partir das últimas semanas de setembro (época de transição para o período chuvoso), com reservação ficando acima do esperado pelos analistas e também do observado em 2020.

Apesar do cenário de relativa melhora, modelos meteorológicos indicam que 2022 deve ser mais um ano de ocorrência da La Niña (fenômeno que encurtou o período chuvoso do biênio 2020/21), levantando dúvidas sobre a água que deve chegar nos próximos meses e consequentes riscos à oferta. Para o Inter, "caso os reservatórios não se recuperem, a situação do período seco em 2022 deve ser similar ao deste ano", uma vez que as barragens seguem com níveis abaixo da média histórica.

Juliana Chade, gerente de preços e estudos de mercado da Megawhat, afirma que nos modelos de curto prazo observa-se a permanência da La Niña até fevereiro, com impactos como um sul mais seco e chuvas que passam rapidamente pelo Sudeste, área mais afetada pelas baixas afluências em 2020/21. É por esta razão que, segundo ela "ainda que tenhamos precipitações dentro da normalidade, há um ponto de atenção quanto a armazenamento porque devemos entrar 2022 com níveis [relativamente] baixos, mesmo que de outubro para cá as afluências estejam melhores".

Chade destaca também que as expectativas quanto ao cenário desafiador observado no setor devem considerar a "desidratação prolongada" das barragens, pois os últimos dez anos foram mais secos. "De 2012 para 2013, tivemos algumas frustrações de precipitação nas principais bacias e de lá para cá a recuperação não chegou a 60% do armazenamento dos submercados", pontua. Segundo ela, "para uma recuperação de reservatórios, precisaríamos, além de volume e localização boas, também de um período maior de precipitações normais para chegar a reservatórios que alcancem seus 80% a 90% ao final de um período úmido".

O cenário brasileiro, entretanto, não se resume à geração hídrica. Por este motivo, mesmo que a hidrologia não seja das mais favoráveis, os analistas do banco Inter apontam outros destaques "para além da dependência de São Pedro" que podem aliviar a pressão sobre o setor. Da lista, constam a expectativa de permanência do despacho térmico em patamar elevado, sinais de estagnação do consumo de energia e a previsão de crescimento da matriz elétrica em 2022 (especialmente com avanço das gerações eólica e solar).

Neste sentido, a Câmara de Comercialização de Enegia Elétrica (CCEE) defende a importância do 1º Leilão de Reserva de Capacidade, ocorrido em dezembro, mas avalia que o mesmo não terá impacto imediato sobre a tarifa, com bandeira ainda dependente do cenário hidrológico em 2022. O certame promete dar a largada para "um modelo de contratação centralizada da disponibilidade de usinas despacháveis, que precisarão estar aptas para produzir energia quando houver maior pressão sobre o sistema", resume a CCEE, revelando perspectivas de maior confiabilidade no fornecimento de energia no futuro.

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