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Vista aérea da inundação do Rio Guaíba na região metropolitana de Porto Alegre
Vista aérea da inundação do Rio Guaíba na região metropolitana de Porto Alegre| Foto: Ricardo Stuckert / Divulgação PR

De cada dez pratos de arroz consumido pelos brasileiros, sete vêm do Rio Grande do Sul. O país só escapou de um desabastecimento generalizado dessa commodity porque a maior parte da safra gaúcha já estava colhida, na semana passada, quando irrompeu o desastre das chuvas, enxurradas e inundações.

Do arroz que estava nos campos gaúchos, entre 17% e 20% da produção, é provável que pouca coisa se salve quando as águas baixarem, visto que as plantações remanescentes ficam justamente na região central do estado, a mais atingida. A quebra na safra no maior estado produtor ocorre num momento em que a oferta mundial já é escassa, e as projeções são de que o cereal possa alcançar cotações recordes no mercado interno nos próximos meses, obrigando o país a se socorrer mais fortemente das importações.

“Se as inundações tivessem ocorrido um mês atrás, certamente teríamos perda de 50% da safra nacional de arroz. E o produto se tornaria um prato de rico, porque não temos de onde comprar”, avalia Vlamir Brandalizze, consultor de commodities agrícolas em Curitiba (PR).

Arroz também está caro em outros países

As perdas no Rio Grande do Sul coincidem com quebras de safra em outras regiões arrozeiras do planeta. A Índia, maior exportador mundial, também enfrentou inundações e proibiu os embarques para garantir a própria segurança alimentar. Os países vizinhos do Mercosul, bem como a China, também colheram menos devido ao excesso de chuvas. Brandalizze relata que esteve na semana passada com um produtor de arroz no Paraguai que informou já ter vendido 70% da produção. E que os outros 30% estava reservando para vender pelo melhor preço, que deve ser oferecido pelos europeus.

Com necessidade de buscar arroz até na Ásia, como já ocorreu no ano passado, a previsão é de que o preço do cereal no mercado brasileiro atinja um novo recorde histórico. “No ano passado, pela primeira vez o arroz superou o valor da saca de soja. E esse ano deve ficar acima da soja. O consumidor vai pagar mais caro, entre R$ 30 e R$ 50 o pacote de 5 quilos”, prevê Brandalizze.

Ainda assim, enfatiza, o arroz ainda é um alimento básico e de custo relativamente baixo. “Para uma família, você precisa de dois pacotes para o mês inteiro, com todo mundo comendo bem”, aponta. A boa notícia é que a safra de feijão está vindo cheia, e já houve recuo de até 40% no preço nas últimas semanas. A saída vai ser "por mais feijão no prato“, aconselha Brandalizze.

Brasil consome quase 11 milhões de toneladas de arroz

Para dar conta da demanda interna, o Brasil precisa importar anualmente mais de um milhão de toneladas de arroz. Sem muita oferta dos parceiros do Mercosul, a saída será apelar para os Estados Unidos, Tailândia e Vietnã. Evandro Oliveira, analista da agência Safras e Mercado, lembra que o país já entrou neste ciclo com os menores estoques em 20 anos, menos de 500 mil toneladas, suficientes apenas para um mês de abastecimento.

“O maior desafio da temporada vai ser na ponta compradora. Tem indústria que está com estoque zerado, principalmente os pequenos e médios da rede varejista. Quando falta arroz, a gente tem que ir à Ásia, se for preciso, ao preço que for”, observa Oliveira.

A indústria, contudo, afasta qualquer risco de desabastecimento. “Apesar das perdas, a gente tem a segurança de dizer que o Brasil tem plena condição de garantir seu abastecimento. É provável que, diante das atuais circunstâncias, as exportações percam bastante espaço e haja um aumento nas importações. O volume de arroz importado de certa forma deve compensar essa redução de safra”, pontua Tiago Barata, diretor-executivo do Sindicato da Indústria do Arroz do Rio Grande do Sul (SindArroz).

Rio Grande do Sul produz 71% do arroz consumido no Brasil
Rio Grande do Sul produz 71% do arroz consumido no Brasil| Riela dos Anjos / Divulgação Irga

Ainda não deu tempo de avaliar o tamanho do prejuízo

O que mais se ouve dos especialistas de diferentes setores agropecuários é que haverá alguma pressão inflacionária, mas “ainda é cedo” para se ter uma real dimensão dos prejuízos, tanto no arroz como em outras cadeias produtivas em que o Rio Grande do Sul tem grande peso na economia brasileira, como soja, milho, leite, carne suína e aves.

“O Brasil é um país extremamente grande, e não necessariamente a quebra de safra no Sul vai resultar num aumento imediato de preços. Às vezes leva um tempo, às vezes essa oferta que a gente deixa de ter no Sul vem de outros lugares no país. Ainda é cedo, não deu tempo de fazer as contas para saber o tamanho desse prejuízo”, avaliza André Braz, coordenador dos Índices de Preços do FGV-Ibre.

Braz não vê efeito drástico na inflação em curto prazo. “O primeiro impacto fica em Porto Alegre, e, na sequência, em função dos prejuízos que a safra possa apresentar no Rio Grande do Sul, a gente vai ter noção do efeito nacional”, acrescenta.

Se o efeito em cascata para o restante da economia brasileira ainda aparenta estar represado, o mesmo não se pode dizer do impacto local e regional. A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) aponta que dez unidades produtoras de aves e suínos estão paralisadas no Rio Grande do Sul ou “com dificuldades extremas de operar, devido à impossibilidade de processar insumos ou de transportar colaboradores”. O estado responde por 11% da produção nacional de frango e 19,8% da produção de suínos, direcionadas para consumo nas gôndolas locais e para exportação.

Arroz é cultivado predominantemente em áreas alagadiças do Rio Grande do Sul
Arroz é cultivado predominantemente em áreas alagadiças do Rio Grande do Sul| Divulgação / CNA

Temor de desabastecimento local nas próximas semanas

A inviabilização de alguns núcleos produtivos acende um alerta no setor de aves e suínos. “Há temor de que, além dos problemas já vivenciados hoje, a população gaúcha deverá enfrentar desabastecimento de produtos até a retomada do sistema de produção – o que poderá demorar mais de 30 dias”, diz nota da ABPA.

Será preciso esperar a água baixar para saber quão rapidamente a infraestrutura do estado poderá ser recomposta, saindo da situação de colapso para um nível de estabilização mínima, que permita trazer alguma normalidade à logística de distribuição de bens, produtos e serviços. O setor leiteiro tem pouca margem para espera; em muitas localidades do Vale do Taquari, sem luz, água e ração, a alternativa dos pecuaristas tem sido descartar o leite ou sequer fazer a ordenha.

Na soja, há ainda cerca de 4 milhões de toneladas a serem colhidas no Rio Grande do Sul, e as perdas, sobre este montante, são estimadas em 15% a 25% pela consultoria Datagro. No país, 95% da safra já foi colhida, o que deve atenuar um impacto altista. Quanto ao milho, também segundo a Datagro, o prejuízo seria de 2% a 4%, sem peso para influenciar outros mercados.

No setor de carne bovina, o mercado ainda não foi afetado pelo efeito das chuvas. “As mudanças de preços que captamos não têm nada a ver com algum tipo de desabastecimento em função de problemas de logística no Rio Grande do Sul. Estamos fazendo um monitoramento, mas hoje não afetou em nada as cotações da carne e de grãos”, diz Alcides Torres, analista da Scot Consultoria. “Tem muita especulação a respeito de milho, soja e principalmente arroz. Mas, por enquanto, é cedo para falar alguma coisa”, conclui.

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