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Uber, Vale, Eletrobras, aplicativos, “igualdade salarial” e mais: governo Lula intensificou a ofensiva sobre o setor privado e a liberdade econômica.| Foto: André Borges/EFE

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu governo estão ampliando a ofensiva para interferir no setor privado e limitar a liberdade econômica. Os ideais de dirigismo estatal do petista são bem conhecidos, mas declarações e iniciativas em defesa de uma maior participação do Estado na economia se avolumaram nas últimas semanas.

A economia brasileira é hoje a nona maior do mundo, mas ao mesmo tempo uma das menos livres. O país é apenas o 124.º em uma lista de 184 nações no ranking do Índice de Liberdade Econômica do think-tank norte-americano Heritage Foundation.

Ainda assim, Lula se queixa da autonomia das empresas privadas. Recentemente, em um de seus ataques à Vale, o presidente defendeu que as empresas privadas têm de estar de acordo com o que o governo pensa.

O petista não disfarça a obsessão em escolher o novo presidente da companhia, que foi privatizada há quase três décadas. Mas a tentativa de ampliar tentáculos sobre a economia vai muito além da mineradora.

O governo está retomando refinarias vendidas pela Petrobras na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e bloqueando a distribuição de parte dos lucros da estatal aos acionistas da petroleira, prejudicando sócios privados que colocaram dinheiro na companhia.

Tenta retomar via Supremo Tribunal Federal (STF) o controle da Eletrobras, privatizada na gestão passada com autorização do Congresso Nacional.

Indicou, por meio do BNDES, ministros e membros do PT sem experiência conhecida para o conselho de administração de empresas privadas.

Quer regular o trabalho em aplicativos de transporte com uma proposta que eleva a arrecadação federal, cria sindicatos e tende a reduzir a autonomia dos motoristas.

Recentemente, manifestou a intenção de regular também as entregas do comércio eletrônico, como uma forma de fortalecer os Correios na competição contra empresas privadas.

E, com o pretexto de coibir discriminações salariais, passou a exigir das empresas o preenchimento de relatórios que as expõem a riscos jurídicos, multas injustas, danos de reputação e perseguições. Confira os detalhes nos tópicos a seguir.

Vale: interferência na empresa décadas após privatização

Lula tentou emplacar no comando da Vale o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, um dos responsáveis pelas políticas econômicas que levaram à recessão econômica de 2014-16.

Mantega e o governo recuaram. Mas, em uma vitória parcial de Lula, o conselho de administração da mineradora decidiu na última sexta-feira (8) que o atual presidente, Eduardo Bartolomeo, não será reconduzido ao cargo.

A companhia informou que a escolha do novo presidente, que ocupará a função a partir de 2025, passará pelo conselho. A sucessão contará com o apoio de uma empresa de recursos humanos de “padrão internacional” e “deverá considerar os atributos e perfil necessários para a posição frente à estratégia e desafios”.

A decisão levou à renúncia do conselheiro José Duarte Penido. Em carta, ele afirmoui que o processo de sucessão de Bartolomeo sofre "nefasta influência política" e foi conduzido de forma manipulada.

Privatizada em 1997, a Vale é listada na B3, a Bolsa de Valores brasileira, e o governo não tem participação na estrutura acionária da empresa. A Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, tinha uma participação de 8,71% do capital total em 31 de janeiro.

Eletrobras: tentativa de reverter privatização feita por Bolsonaro

O presidente também quer interferir nos rumos da Eletrobras. Para ele, que nas eleições prometeu reverter a privatização realizada em junho de 2022, no governo Bolsonaro, o repasse do controle da empresa para o setor privado foi um "escárnio".

Em 2023, o governo ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal para aumentar seu poder de voto nas decisões da empresa. O ministro Kassio Nunes Marques encaminhou o processo para a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal.

A ingerência não se limitou ao questionamento no STF. O governo federal também tentou interferir na decisão da incorporação de Furnas, uma das subsidiárias da empresa à Eletrobras.

A assembleia que decidiria sobre o assunto deveria ter ocorrido no fim de 2023, mas foi suspensa por decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1). Depois as liminares foram cassadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, e, em 11 de janeiro, a incorporação foi aprovada por 95% dos acionistas.

Aplicativos de transporte: contribuição ao governo e criação de sindicatos

O governo também tenta regular o trabalho de transporte por aplicativos em veículos de quatro rodas – como o Uber – e, por tabela, aumentar a arrecadação da Previdência. As principais diretrizes propostas no projeto de lei complementar encaminhado ao Congresso Federal em regime de urgência constitucional são:

  • pagamento mínimo por hora trabalhada;
  • contribuição previdenciária obrigatória; e
  • criação de sindicatos da categoria, tanto patronais quanto de trabalhadores.

Durante as negociações para a elaboração do projeto, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, chegou a equiparar o serviço prestado pelos motoristas a trabalho escravo.

O governo cogitou o enquadramento dos profissionais por aplicativo na CLT, mas não teve respaldo nem das empresas nem da Justiça, que se tem dividido sobre o tema.

Mesmo sem o enquadramento na CLT, especialistas avaliam que a regulação proposta reduz autonomia do motorista e dificulta o trabalho ocasional nas plataformas, para complemento renda – ou seja, diminui a liberdade dos trabalhadores.

Tupy, CEG, BRQ e Quality Soft: aliados em conselhos de empresas privadas

Outra estratégia de interferência na iniciativa privada é a colocação de ministros e petistas em conselhos de administração de empresas que fazem parte do portfólio do BNDES. Em grande parte dos casos, não há comprovação de que os indicados tenham experiência ou conhecimento de gestão empresarial ou das áreas de atuação dessas companhias – o banco chegou a emitir nota citando "inclusão" e "diversidade" como critérios para as nomeações.

O movimento começou em agosto com a nomeação dos ministros da Previdência, Carlos Lupi, e Anielle Franco, da Igualdade Racial, para o conselho de administração da catarinense Tupy, uma fundição que emprega mais de 20 mil pessoas e tem unidades no Brasil, México e Portugal.

As indicações violaram a política do próprio BNDES. Uma regra aprovada em abril do ano passado determinava que dirigentes partidários, mesmo licenciados, não poderiam ser indicados pelo banco para ocupar cargo em conselho de administração em empresas. Lupi licenciou-se da presidência do PDT para assumir o ministério.

Quatro aliados do presidente Lula estão no conselho de administração da CEG, do segmento de gás e eletricidade. São eles o ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Luiz de Almeida; o da Defesa, José Múcio Monteiro; o ex-chanceler e assessor especial da presidência, Celso Amorim; e o ex-secretário-executivo do Ministério da Justiça Ricardo Capelli.

Eles foram indicados aos colegiados via BNDESpar, o braço de participações do BNDES. Seus currículos não indicam formação específica na área de atuação da empresa, que é uma distribuidora de gás pertencente ao grupo espanhol Naturgy.

Outra empresa que teve indicação de ministros e aliados do presidente foi a BRQ, que atua no segmento de transformação digital. A ministra da Saúde, Nísia Andrade, com um sólido currículo na área de pesquisa, mas nenhuma experiência na gestão empresarial, ocupou o cargo de conselheira por três meses.

Outro aliado de Lula indicado para o conselho de uma empresa privada foi Giles Azevedo, geólogo de formação e ex-coordenador da assessoria técnica da liderança do PT. Ele ocupou, por um mês, uma das posições no colegiado da Quality Soft, empresa do segmento de tecnologia de informação, com foco na terceirização de projetos.

Correios: regulação da entrega de e-commerce para fortalecer estatal

Uma das mais recentes investidas do governo em relação à iniciativa privada é um projeto dos Correios. O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, quer regulamentar as entregas do e-commerce – produtos vendidos pela internet – para fortalecer a estatal.

Ele montou um grupo de trabalho na pasta, com representantes da empresa, para discutir os termos da proposta a ser apresentada até agosto. Segundo Juscelino, os Correios estão em desvantagem em relação ao setor privado. Uma das justificativas dele, de acordo com o jornal "O Estado de S. Paulo", é que a legislação postal de 1978 está defasada, o que limitaria a atuação da estatal.

Não é a primeira vez que o governo tenta usar os Correios. Em fevereiro de 2023, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse poderia acionar a estatal para criar um aplicativo para o transporte de passageiros, caso o Uber decidisse deixar o país.

“Posso chamar os Correios, que é uma empresa de logística, e dizer para criar um aplicativo e substituir. Aplicativo se tem aos montes no mercado. Não queremos regular lá no mínimo detalhe. Ninguém gosta de correr muito risco, especialmente os capitalistas brasileiros”, disse o ministro na ocasião.

Em abril de 2023, Lula retirou a estatal do Programa Nacional de Desestatização (PND). Ela tinha sido incluída no PND no governo Bolsonaro.

Petrobras: privatizações desfeitas, sócios prejudicados

Outra estatal que é usada com frequência pelo governo para interferir nos rumos da iniciativa privada e da economia é a Petrobras. O grupo de controle formado por governo federal, BNDES e BNDESPar é dono de 36,5% das ações da companhia. Os demais são acionistas minoritários, privados, que aportaram dinheiro na empresa.

A Petrobras anunciou na semana passada que não iria distribuir dividendos extraordinários referentes ao quarto trimestre de 2023, o que provocou alvoroço no mercado. Em apenas uma sessão, as ações da petrolífera caíram 10% e ela perdeu R$ 55,3 bilhões em valor de mercado. Pelo menos três instituições financieiras – Bank of America, Bradesco BBI e Santander – deixaram de recomendar a compra das ações da petrolífera.

A diretoria da empresa havia proposto o pagamento de metade dos dividendos extraordinários, destinando o restante a uma reserva de capital. Mas a maioria do conselho de administração, por orientação de Lula e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, recusou a proposta e destinou todo o valor (cerca de R$ 44 bilhões) para a reserva.

O presidente da estatal, Jean Paul Prates, inicialmente negou que a ordem tivesse partido de Lula, mas nesta quarta-feira (13) admitiu que houve orientação para não pagar os dividendos.

O presidente Lula foi direto ao assunto em entrevista ao SBT realizada nesta semana: "A Petrobras não é apenas uma empresa de pensar nos acionistas que investem nela, porque a Petrobras tem que pensar no investimento e pensar em 200 milhões de brasileiros que são donos dessa empresa ou sócios dessa empresa”.

A decisão de não distribuir os dividendos extraordinários atrapalha os planos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em seu esforço para atingir a meta de déficit zero ainda neste ano. Como principal sócia da petrolífera, a União teria direito a até R$ 16 bilhões do repasse de lucros, o que ajudaria a aumentar as receitas.

A discussão dos dividendos da Petrobras ganha força desde a campanha eleitoral de 2022. A petrolífera era então uma das maiores pagadoras de dividendos do mundo, mas Lula e outros membros do PT afirmaram que era preciso reduzir o repasse de lucros e aumentar os investimentos.

A Petrobras também tem sido usada para aumentar a presença estatal no setor de petróleo e gás. A companhia desfez a venda de refinaria Lubnor, assinada no governo Bolsonaro, o que levou o comprador a afirmar que tiraria dinheiro do país. E está prestes a retomar o controle da refinaria de Mataripe, na Bahia, também privatizada na gestão passada.

"Lei de igualdade salarial": risco à liberdade empresarial

A partir deste ano todas as empresas com 100 funcionários ou mais passaram a ser obrigadas a enviar ao governo um relatório detalhando os salários pagos a seus funcionários e informando sobre a existência ou não de programas de estímulo à contratação de mulheres, entre outras questões.

São exigências da chamada "lei de igualdade salarial", proposta de iniciativa do Executivo aprovada pelo Congresso em 2023. Por trás das boas intenções, no entanto, está uma grande ameaça à liberdade empresarial, com risco de prejuízo inclusive aos trabalhadores que a legislação busca proteger.

Um dos problemas é que as empresas terão de encaixar seus funcionários dentro da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), que em muitos casos não abrange a grande variedade de cargos que podem existir na estrutura corporativa. Dessa forma, níveis hierárquicos distintos podem ser equiparados. E o relatório, que será público, pode passar a impressão de que um empregador paga salários diferentes a pessoas que exercem a mesma função – quando, na verdade, elas podem desempenhar tarefas diferentes e com variados níveis de responsabilidade.

Essas e outras imposições não apenas ampliam os gastos com burocracia no país, que já estão entre os maiores do mundo. Segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, as regras expõem empresas idôneas ao pagamento de multas injustas, riscos jurídicos, danos de reputação e perseguições; estimulam empregadores a formar equipes mais homogêneas; e podem levar a um achatamento dos salários no médio e longo prazo.

Braskem: Lula tenta achar um lugar para Mantega

Outra empresa que está sob a mira da interferência de Lula é a Braskem, química da qual a Petrobras possui uma participação acionária de 36,1%.

Após a tentativa fracassada de colocar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega na presidência ou no conselho de administração da Vale, Lula agora está estudando indicá-lo para o conselho de administração da Braskem, conforme indicam fontes ouvidas pela "Folha de São Paulo".

O presidente aproveitaria uma oportunidade, pois o mandato de dez dos 11 conselheiros da Braskem expira em abril, incluindo os assentos da Petrobras e da Novonor (antiga Odebrecht), outra grande acionista da química.

De acordo com um interlocutor de Lula ouvido pela "Folha", a indicação de Mantega dependeria de procedimentos burocráticos, sendo o mandato previsto para dois anos.

Lula é um grande defensor do ex-ministro, afirmando que é injusto atribuir a Mantega a crise econômica durante o governo Dilma Rousseff, quando o PIB encolheu quase 7% entre 2015 e 2016.

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