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Obra do pintor português Alfredo Roque Gameiro mostra o momento em que dois oficiais portugueses impedem a entrada de um oficial inglês no Sexto Regimento de Infantaria: Revolução do Porto retomou a autonomia de  Portugal frente a Inglaterra
Obra do pintor português Alfredo Roque Gameiro mostra o momento em que dois oficiais portugueses impedem a entrada de um oficial inglês no Sexto Regimento de Infantaria: Revolução do Porto retomou a autonomia de Portugal frente a Inglaterra| Foto: Reprodução

Não é exagero dizer que a independência do Brasil teve início em 1820, dois anos antes da proclamação diante do rio Ipiranga, e a 8.100 quilômetros da capital paulista. Os acontecimentos que tiveram início na cidade do Porto e mudaram para sempre os rumos, tanto da matriz quanto da colônia.

Acabaram por encerrar a monarquia absolutista, que governava o país europeu fazia três séculos – a monarquia portuguesa acabaria por cair em 1910. E provocaram o retorno de D. João VI a Lisboa, depois de 13 anos de estadia no Rio de Janeiro. Ele assinaria o acordo aceitando a independência do Brasil, em 29 de agosto de 1825, e governaria até a morte, em 1826.

A rebelião no Porto começou em 24 de agosto de 1820. Ainda antes do amanhecer, dezenas de militares seguiram para o campo de Santo Ovídio, que hoje se chama Praça da República. Realizaram uma parada militar, acompanharam uma missa e fizeram uma salva de artilharia. Por volta das 8 horas, tomaram a Câmara Municipal e formaram a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, presidida pelo brigadeiro António da Silveira Pinto da Fonseca.

O levante contava com o apoio de diversas classes sociais relevantes. A junta reuniu, por exemplo, Luís Pedro de Andrade e Brederode em nome do clero, Pedro Leite Pereira de Melo e Francisco de Sousa Cirne de Madureira representando a nobreza e o desembargador Manuel Fernandes em nome da magistratura. O grupo também divulgou um Manifesto aos Portugueses, que apresentava uma lista de reivindicações, incluindo o imediato retorno da corte a Portugal e a restauração da exclusividade de comércio do Brasil para com os lusitanos.

Rapidamente, lideranças em Lisboa aderiram. Em 28 de setembro, uniram-se ao Porto em uma Junta Provisional do Supremo Governo do Reino. Depuseram a regência britânica que controlava o país desde a fuga da família real e começaram a organizar eleições para formar uma assembleia constituinte. Os trabalhos começaram em janeiro de 1821. Em 26 de abril, Dom João VI deixava o Rio de Janeiro. A primeira Constituição do país, de teor liberal, seria promulgada em 23 de setembro de 1822.

Ou seja: o levante foi um sucesso estrondoso, especialmente porque contou com o apoio dos mais variados espectros das lideranças portuguesas, que estavam exaustas dos acontecimentos iniciados em 1807.

Baque moral

Em busca de dominar a Europa e estrangular a movimentação militar da Inglaterra, Napoleão se lançou sobre a Península Ibérica. Enviou 27 mil soldados, um contingente relativamente tímido – tamanha era a confiança do comandante francês. A Espanha seria invadida em 1808. Lisboa chegou a ser ocupada, mas não havia mais um rei disponível para assinar uma rendição. Os franceses se viram envolvidos por uma situação desconfortável. A guerra de guerrilha acabaria por se estender até 1814, com os britânicos apoiando os portugueses.

Em junho de 1815, Napoleão seria definitivamente derrotado na Batalha de Waterloo. Enquanto isso, do ponto de vista dos portugueses, vitoriosos diante de uma das maiores ameaças militares de sua história, não fazia sentido Dom João VI permanecer na colônia. Enquanto ele se mantinha distante, Portugal permanecia controlado por regentes britânicos e, na prática, havia perdido qualquer autonomia militar e comercial, mesmo depois de evitar a invasão francesa.

Para agravar o quadro, em dezembro do mesmo ano, o Brasil havia deixado de ser, oficialmente, apenas uma colônia, e sim parte do reino – a proclamação do estado do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves representou um baque. Entre outros motivos, porque, num primeiro momento, a capital escolhida foi o Rio de Janeiro.

Ou seja: enquanto jovens lusitanos pegavam em armar para defender suas terras, a capital de Portugal, de dezembro de 1815 até a revolução do Porto, ficava do outro lado do Oceano Atlântico. O monarca tinha um bom pretexto para tomar esta decisão: o Congresso de Viena, iniciado em 1814 e que tinha por objetivo reorganizar o mapa político da Europa, resistia a aceitar Dom João VI como um porta-voz, já que ele vinha governando a partir de uma colônia. Ainda assim, a insatisfação foi enorme – e justificada.

Pior ainda: a mudança de status vinha na sequência do impacto econômico provocado pelo Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas, de 1808, a partir do qual o Brasil deixava de ser obrigado a praticar o comércio exclusivamente com Portugal, depois de dezenas de gerações habituadas a viver da exclusividade da importação e da exportação com a colônia.

Somadas, as ações tinham um caráter simbólico pesado, ainda mais quando se lembra que, no passado, o grande Império Português havia alcançado os territórios que, hoje, pertencem a 53 países diferentes.

Começando pela conquista de Ceuta, em 1415, passando pela exploração da costa da África a partir de 1419, incluindo os feitos de Vasco da Gama, que chegou à Índia em 1498, e de Pedro Álvares Cabral, que iniciou a conquista de boa parte da América do Sul em 1500, Portugal foi, por séculos, uma das maiores e mais influentes potências do planeta.

Quando da eclosão da revolta no Porto, a insistência do rei em valorizar o Brasil apenas ampliava a humilhação iniciada com a fuga da família real, em 29 de novembro de 1807. O fim do já há muito tempo enfraquecido império aconteceria oficialmente em 1999, com a devolução de Macau à China.

Notícia velha

Em 1817, uma primeira tentativa de retomar a autonomia de Portugal foi liderada por oficiais do exército, em especial o general Gomes Freire de Andrade. Formado em Lisboa, o chamado Supremo Conselho Regenerador de Portugal e do Algarve foi rapidamente identificado e reprimido. O Campo de Santana, onde dez acusados de traição foram enforcados no dia 18 de outubro, hoje se chama Campo dos Mártires da Pátria.

O regente do país, na época, era o militar britânico William Carr Beresford. Ele então viajou pessoalmente ao Rio de Janeiro para solicitar a Dom João VI mais recursos para reprimir possíveis outros movimentos rebeldes. Foi em sua ausência que eclodiu a Revolução do Porto – ao retornar, ele se viu impedido de embarcar em Lisboa.

Beresford, assim como Dom João VI, não enxergou a exaustão das elites portuguesas. Mas, no Brasil, a rebelião no Porto foi recebida como notícia velha. Oficialmente, a eclosão da revolução chegou em uma edição especial da Gazeta do Rio de Janeiro, produzida pela Impressão Régia e datada de 9 de novembro de 1820. Mas as informações já circulavam pelas ruas, e não apenas da capital.

“Segundo atestava uma folha inglesa traduzida e publicada no Correio do Porto, no dia 20 de outubro, os brasileiros já estavam informados sobre o andamento de um projeto revolucionário em Portugal”, relata a professora de História da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS), Juliana Gesuelli Meirelles, em artigo sobre o tema.

O periódico já informava: “O Brasil está muito inquieto, não sendo improvável que a Revolução de Portugal se estenda além do Atlântico. Cartas da Bahia, Pernambuco, e outras terras do norte do Brasil, escritas por pessoas mui respeitáveis exprimem receios de próximos rompimentos; e até dão a entender que o projeto de uma revolução em Portugal era conhecida no Brasil já em junho passado”.

Enquanto o monarca voltava a sua terra natal e, finalmente, aceitava o sucesso das reivindicações de seus súditos, ancorados pelo novo momento político da Europa, Dom Pedro permanecia no Brasil, como príncipe-regente. Quando, em fevereiro de 1822, Dom João VI solicitou formalmente ao filho que retornasse a Portugal, já era tarde. Em setembro de 1822, Pedro se tornaria rei do novo país independente, enquanto seu pai continuava, por mais algum tempo, monarca de uma nova Portugal.

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