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Presidente Lula durante café da manhã com jornalistas realizado em abril deste ano
Presidente Lula durante café da manhã com jornalistas realizado em abril deste ano| Foto: Foto: Ricardo Stuckert / PR

Desde que assumiu o terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem aplicado sigilo em diversas informações de interesse dos cidadãos. Alguns exemplos são o conteúdo de uma carta enviada ao presidente da Rússia, Vladmir Putin, em razão de mais uma reeleição em março deste ano, as agendas da primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, e a troca de informações oficiais relacionadas à prisão do jogador de futebol Robinho.

A ação do presidente contradiz a promessa de campanha de que haveria transparência nas informações do governo federal. O discurso era de que a gestão petista avançaria nessa questão em relação à adminstração do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em maio do ano passado, ao lançar decretos para garantir a transparência de dados, em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), Lula afirmou que “nosso povo e nossas instituições não admitem mais o obscurantismo e o sigilo”. O presidente determinou que fossem revistos sigilos impostos pelo governo Bolsonaro a diversos documentos, dentre os quais a lista de pessoas que visitaram a ex primeira-dama Michelle Bolsonaro, e o cartão de vacinas do ex-presidente.

Contudo, o governo Lula colocou informações semelhantes em sigilo, além de outras mais, como os gastos da Força Aérea Brasileira (FAB) com passagens da presidência e de altas autoridades.

A Gazeta do Povo fez uma lista com alguns dos sigilos aplicados pela terceira gestão de Lula:

Informações sobre número de fugas das prisões brasileiras

Em 5 de maio, o portal Metrópoles divulgou que o Ministério da Justiça e Segurança Pública havia colocado sob sigilo o número de fugas registradas em presídios brasileiros em 2023. De acordo com o site, o pedido foi feito via Lei de Acesso à Informação (LAI) e acabou negado, sob o argumento de que a informação é de caráter “reservado” e que, portanto, ficará sob sigilo por cinco anos.

A negativa à demanda do jornal se deu em todas as instâncias da pasta e foi referendada pelo ministro da Justiça e ex-ministro do STF, Ricardo Lewandowski. Em resposta aos questionamentos, a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) alegou que a divulgação das informação poderia “pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população”, além de “pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e familiares”.

O jurista Fabrício Rebelo, especialista em Segurança Pública e responsável pelo Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), afirma que esse tipo de sigilo talvez seja algo inédito em todo o mundo e que a justificativa da Senapen beira o absurdo. “Seria como o governo reconhecer que sua gestão sobre os presídios faliu, que ele não tem controle nenhum sobre tais estabelecimentos, e a única coisa que resta é esconder isso da população”, afirma Rebelo.

Em um sistema prisional onde os presidiários mantêm uma rede de comunicações tão ativa a ponto das organizações criminosas serem chefiadas de dentro das penitenciárias, o especialista avalia que chega a ser “infantil” vetar o acesso da mídia a esse tipo de dado, como se os criminosos dependessem da imprensa para ter essas informações. “O propósito único que se pode extrair de algo assim é só a ocultação da realidade”, afirmou o jurista.

Além disso, Rebelo opina que, ao não declarar a realidade criminal, o governo gera uma falsa sensação de normalidade e deixa a população ainda mais vulnerável.

Mas, apesar de negar a informação ao jornal, em 10 de abril, o Ministério da Justiça e Segurança Pública havia enviado ao primeiro-secretário da Câmara, deputado Luciano Bivar (União-PE), um relatório com o número de fugas em 2023. O documento foi enviado em resposta a um pedido feito pelo deputado Junio Amaral (PL-MG), por meio da Secretaria Nacional de Assuntos Legislativos da Câmara, em fevereiro deste ano.

De acordo com o relatório, o ano de 2023 registrou 9.175 fugas em penitenciárias estaduais. Ao todo, de 2016 até o ano passado, aproximadamente 109 mil detentos conseguiram escapar de presídios brasileiros.

Em resposta à Gazeta do Povo sobre a manutenção do sigilo, a Senappen afirmou que os dados totais/nacionais de fugas são classificados como reservados. Contudo, as unidades federativas, por serem gestoras dos dados locais, podem ou não divulgar esses números de maneira detalhada, considerando também a classificação do dado em âmbito estadual.

Gastos custeados pela Força Aérea Brasileira com viagens aéreas de autoridades

Em 30 de abril deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) autorizou que as informações sobre viagens de autoridades em jatinhos da Força Aérea Brasileira (FAB) fossem colocadas sob sigilo.

O entendimento foi de que a divulgação desses dados, mesmo depois de concluídas as viagens, pode colocar em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades, quais sejam, o vice-presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado, ministros do Supremo Tribunal Federal e o procurador-geral da República.

A decisão do TCU ocorreu após a deputada Bia Kicis (PL-DF) solicitar uma auditoria para avaliar a legalidade, eficiência e custo do uso dessas aeronaves por ministros e outras autoridades. De acordo com o despacho do TCU, basta que as autoridades expliquem os motivos de segurança para pedir um voo à FAB.

Em junho de 2023, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) já havia colocado sob sigilo as informações relacionadas aos voos internacionais do presidente Lula, feitos pela FAB, e se utilizou da mesma justificativa. Na ocasião, o portal Poder 360 havia solicitado as informações ao Ministério das Relações Exteriores, que afirmou não ter dados da FAB, e ao Comando do Exército, que encaminhou a demanda para o GSI.

Em nota, o GSI informou que “não dispõe dos custos operacionais das missões realizadas em aeronaves do Comando da Aeronáutica em apoio à Presidência da República, visto que os mesmos encontram-se classificados, no grau de sigilo RESERVADO, posto se tratar de tema de acesso e restrito para os planos e operações estratégicos das Forças Armadas”.

Carta que Lula enviou para Putin após a reeleição

O presidente Lula enviou uma carta parabenizando o autocrata russo Vladimir Putin por sua reeleição em março deste ano. No entanto, o conteúdo do documento foi mantido em sigilo e dessa vez a alegação foi de proteção da “vida privada e da intimidade” do presidente, como se a correspondência tivesse sido de cunho pessoal de Lula pr e não um ato do Estado brasileiro.

Já o Partido dos Trabalhadores (PT), em nota divulgada à imprensa, parabenizou o Partido Rússia Unida “pelo resultado expressivo que garantiu a vitória do Presidente Putin com mais de 87% dos votos” nas eleições. Com a vitória, Vladimir Putin conquistou seu quinto mandato para a presidência e permanecerá à frente do Kremlin até 2030.

"Acompanhamos com grande interesse o desenrolar do recente processo eleitoral presidencial na Rússia, que resultou na reeleição do Presidente Vladimir Putin. Com uma participação impressionante de mais de 87 milhões de eleitores, representando 77% do eleitorado do país, esse feito histórico ressalta a importância do voto voluntário na Rússia [...] Renovamos nosso compromisso em fortalecer nossos laços de parceria e amizade, trabalhando juntos rumo a um mundo mais justo, multilateral e plural”, diz a nota do partido esquerdista, que foi assinada pelo secretário de Relações Internacionais da legenda, Romênio Pereira.

Agenda e visitas à Janja

Em 21 de março, o jornal O Estado de S.Paulo divulgou que o governo havia colocado em sigilo a agenda da primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, nos Palácios da Alvorada e do Planalto, e também informou que se tratava de dados pessoais.

Na prática, a resposta significa que os dados estão sob sigilo de até 100 anos, pois o artigo 31 da LAI diz que “informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem terão seu acesso restrito pelo prazo máximo de 100 anos a contar da sua data de produção”.

Em janeiro de 2023, no entanto, o governo petista tornou pública a lista de pessoas que visitaram a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro no Palácio da Alvorada, que tinha sido colocada sob sigilo durante a gestão de Bolsonaro.

No despacho em que revogou essa e outras decisões de sigilo, Lula afirmou que elas  “desrespeitaram o direito de acesso à informação, banalizaram o sigilo no Brasil e caracterizam claro retrocesso à política de transparência pública até então implementada”.

Visitas ao Lula no Alvorada

Em março de 2023, o governo federal também colocou as visitas recebidas por Lula no Palácio da Alvorada sob sigilo. A Presidência da República alegou que os dados já eram classificados como sigilosos desde a posse do petista, em 1º de janeiro daquele ano.

Assim como no caso de Janja, a LAI (Lei 12.527/2011) foi acionada para justificar o sigilo. De acordo com a legislação, “as informações que puderem colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as) serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição”.

À época, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) negou o acesso a essas informações, solicitado pelo portal Metrópoles, argumentando que “os registros de acessos às Residências Oficiais têm caráter sigiloso e acesso restrito”.

No entanto, em janeiro de 2023, Lula derrubou os decretos que determinavam sigilo de 100 anos nas visitas recebidas por Jair Bolsonaro (PL) e também divulgou as informações sobre as visitas dos filhos do ex-presidente ao Palácio do Planalto.

Na ocasião, a CGU afirmou que os dados das portarias dos palácios têm natureza pública e que até mesmo informações restritas eram passíveis de serem divulgadas, já que Bolsonaro não era mais presidente.

“Entende-se que a classificação da informação expirou e que deve prevalecer o princípio da transparência sobre as informações solicitadas, devendo ser concedido um prazo adequado para o atendimento do pedido de modo a não prejudicar as atividades rotineiras das áreas envolvidas”, disse o órgão ao divulgar os dados sobre as visitas dos filhos do ex-presidente.

Lista de integrantes do Batalhão da Guarda da Presidência em 8 de janeiro de 2023

Outra informação mantida sob sigilo é a lista dos integrantes que estavam em serviço no Batalhão da Guarda da Presidência em 8 de janeiro de 2023. O caso foi revelado por meio de reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, divulgada em março deste ano. À época, a Gazeta do Povo questionou a Controladoria-Geral da União (CGU) e solicitou esclarecimentos, e o órgão encaminhou a mesma resposta dada ao jornal paulista.

Nela, a CGU afirma que o atual governo reviu uma série de decisões adotadas durante a gestão anterior, que citava artigo 31 da Lei de Acesso à Informação para invocar a proteção a dados pessoais e manter sob sigilo informações que deveriam ser públicas. O órgão disse ainda que a revisão atingiu casos de “agendas públicas, registros de entradas e saídas de prédios públicos, processos administrativos, entre outros”.

Em sua resposta, a CGU disse ainda que a “negativa a pedidos de acesso à informação é realizada com base em análise de cada caso concreto, e há razões legítimas para que seja empregado a depender do caso”, justificando a manutenção ou criação de sigilos sob o governo Lula. O órgão argumentou ainda que “adotou uma série de medidas estruturantes para promover a transparência”.

Comunicações diplomáticas que envolveram a prisão do jogador Robinho

De acordo com o jornal O Estado de S.Paulo, o Itamaraty teria negado o acesso às informações diplomáticas que envolveram o processo contra o jogador de futebol Robinho, acusado de participar de um estupro coletivo em Milão, na Itália.

Em 20 de março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologou a decisão da Justiça italiana que condenou o jogadora nove anos de prisão. Robinho foi preso pela Polícia Federal no dia seguinte, em Santos (SP), e deve cumprir a pena em regime fechado.

Pareceres que embasaram o veto ao Marco Temporal

O governo Lula optou por manter em sigilo, em dezembro de 2023, os pareceres relacionados aos vetos do projeto do marco temporal sobre a demarcação de terras indígenas. A decisão se vale da mesma justificativa utilizada pelo governo Bolsonaro, de que a divulgação dos pareceres pode prejudicar a defesa do Executivo perante o Judiciário.

No início de maio, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, determinou que o plenário da Corte julgará as ações em relação ao marco temporal. A decisão permite que cada voto seja discutido pelo colegiado.

No ano passado, o presidente Lula vetou o marco temporal, aprovado pelo Congresso Nacional, que estabelece que somente terras indígenas ocupadas até 1988 podem ser demarcadas. O Congresso derrubou o veto de Lula e a matéria retornou ao Supremo, que já havia decidido que tal medida era inconstitucional. Agora, caberá ao plenário da Corte decidir se mantém sua decisão, contrária ao Legislativo, ou se reverte seu parecer anterior sobre a questão.

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