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O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso.| Foto: Valter Campanato /Agência Brasil

Em artigo recente publicado no site Poder 360, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, defendeu um modelo de regulação das redes sociais definido como "autorregulação regulada" ou "corregulação", feito "por meio de padrões fixados pelo Estado, mas com flexibilidade das plataformas em materializá-los e implementá-los".

Juristas consultados pela Gazeta do Povo consideram que esse modelo – o mesmo defendido na versão inicial do PL 2630, chamado de PL da Censura ou PL das Fake News, no ano passado – pode criar uma dupla camada de censura na internet brasileira, fazendo com que os usuários estejam sujeitos ao controle tanto das políticas de uso das redes sociais como do Estado.

"É um modelo para quem não confia nas redes, mas também não quer ser chamado de Estado totalitário ou censório. 'Vou permitir que as redes brinquem no parquinho, mas, quando elas passarem do ponto, farei a intervenção necessária'", critica o jurista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão.

O artigo de Barroso foi escrito em coautoria com sua filha, Luna van Brussel Barroso, mestre em Direito Público pela UERJ (Universidade do Rio de Janeiro). Ambos já haviam publicado juntos textos semelhantes em revistas acadêmicas.

A dupla aponta o "extremismo de direita" como a principal ameaça à democracia na atualidade, por sua adesão, segundo eles, a um populismo autoritário que reforça a desconfiança nas instituições democráticas. A internet teria gerado um "aumento exponencial na disseminação de discurso abusivo e criminoso" e a crise da imprensa profissional, além de uma amplificação do conteúdo "provocativo, radical e agressivo" resultante do emprego de algoritmos que tentam maximizar o tempo gasto na rede.

Esses problemas, para os autores, justificariam uma regulação para equilibrar liberdade de expressão e responsabilidade, e três modelos possíveis são apontados: a regulação estatal, a autorregulação feita pelas próprias redes, e a mencionada "autorregulação regulada", que é o modelo preferido de Barroso.

"O artigo pressupõe que as redes são um risco, que o extremismo habita as redes, que o discurso de ódio é um grande perigo, que antigamente nós tínhamos um debate público saudável, e que hoje não mais. Ou seja, ele enxerga as redes como um imenso risco. Se eu vejo nas redes sociais um imenso risco, a intervenção que deveria ser a exceção passa a ser a regra. Seria uma regulação estatal disfarçada de corregulação. E me parece que é isso mesmo que se quer", afirma Marsiglia. "Parece ser o desejo dos entusiastas da regulação que nós tenhamos disfarçadamente uma regulação estatal, só que com um envelopamento democrático, vamos dizer assim."

Desejo do STF de liderar debate sobre regulação é problemático, dizem juristas

Para Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, Barroso mostra com seu artigo que "não é um defensor da democracia liberal". "Os valores liberais da igualdade perante a lei, do direito ao livre pensamento e à livre expressão, para ele, têm que ser subordinados à visão de mundo da elite cultural (a tal 'elite cosmopolita' que ele menciona). Ele está coerente com o que sempre defendeu: à democracia liberal, protetora intransigente dos direitos individuais, ele prefere o projeto de 'sociedade igualitária', onde o valor da liberdade é decididamente secundário", afirma. "Barroso é sem dúvida um defensor do 'igualitarismo' que dá à liberdade uma importância menor e subordinada."

Marsiglia ressalta que há uma desconfiança das autoridades do Judiciário não só em relação às redes, mas também à capacidade do Legislativo eleito pelo povo de decidir as regras sobre internet no Brasil.

"Nosso problema, nos últimos tempos, é que nós temos ministros que acreditam que são, digamos assim, intelectuais diferenciados. Eles não querem permitir que esse debate seja feito por legisladores. Entendem que eles são incapacitados, talvez, tecnicamente. Desconfiam do usuário, dos donos das plataformas, e dos parlamentares. O que os ministros parecem querer dizer com esse protagonismo no debate é que eles são intelectualmente diferenciados e precisam carregar o debate nas costas, mesmo que essa não seja a função deles", comenta.

Para Marsiglia, faria bem aos ministros ouvir mais os alertas que têm sido feitos a respeito da conduta das cortes em relação à liberdade de expressão na internet. "Eles precisavam ouvir mais o debate público do que acreditar que apenas eles sejam capazes de elaborar uma resposta adequada para os problemas das redes sociais", diz.

Entenda os modelos discutidos sobre regulação das redes

Antes de defender o modelo da autorregulação regulada, os autores mencionam outros dois modelos possíveis: o de autorregulação, em que as redes podem definir aquilo que é removido por conta própria, sem intervenção estatal; ou o da regulação estatal.

Atualmente, ao menos do ponto de vista do mero texto legal – deixando de lado, portanto, as interpretações judiciais que têm sido feitas –, o Brasil tende mais a um modelo de autorregulação das redes, em que as próprias plataformas determinam aquilo que deve ser removido, por meio de suas próprias regras. Eventuais conteúdos ilícitos que as redes sociais não removam podem ser excluídos por via judicial.

Há duas linhas de críticas ao modelo de autorregulação: alguns, como Barroso e outros ministros do STF, tendem a reprovar o excesso de permissividade das redes, que mantêm conteúdo que, na visão deles, deveria ser considerado ilícito e removido; outros tendem a se preocupar mais com o excesso de interferência das plataformas no que é publicado, já que, muitas vezes, conteúdos legítimos do ponto de vista da liberdade de expressão são excluídos com base em seus termos de uso.

Essa segunda visão foi o que motivou, em 2021, o governo Bolsonaro a produzir uma Medida Provisória anticensura alterando o Marco Civil da Internet para determinar as únicas hipóteses em que as redes poderiam excluir conteúdos dos usuários. Entre essas hipóteses estavam o terrorismo, a pedofilia, a incitação de crimes contra a vida, a ajuda a organizações criminosas ou terroristas, ou o cumprimento de uma determinação judicial.

A MP anticensura de Bolsonaro era, portanto, uma tentativa de regulação estatal para prevenir abusos das redes sociais na remoção de conteúdos. A autorregulação regulada, por outro lado, tende a não prevenir esses abusos, ao mesmo tempo em que agrega uma camada extra de controle da expressão, com o Estado funcionando como um amparo nos casos em que as redes decidirem não reagir a uma postagem considerada ilícita pelas autoridades estatais.

Em 2021, a MP anticensura foi chamada por parte da imprensa de "MP das Fake News", foi suspensa pelo STF, classificada como inconstitucional pelo então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e acabou sendo engavetada. Ainda em 2021, Bolsonaro transformou a MP no PL 3227/2021. Em 2023, o governo Lula conseguiu retirar o projeto de tramitação na Câmara.

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