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Bolsonaro na ONU em 2021
Bolsonaro durante o discurso na assembleia geral da ONU.| Foto: Eduardo Munoz/EFE/EPA/Pool

"Vexame" foi o termo do dia ontem (21/9). Esteve entre os mais falados no Twitter, e é um bom resumo do festival lisérgico de meias-verdades, mentiras e delírios autorreferentes expelidos na profanação do principal pódio da ONU que lamentavelmente protagonizamos ontem. Poucas vezes a tradição da deferência que o mundo presta ao Brasil, premiando o país com a abertura da Assembleia Geral, gerou tantos constrangimentos.

O púlpito utilizado pelo presidente brasileiro foi desinfetado antes de seu uso por Joe Biden, que estava hospedado no mesmo hotel que Bolsonaro, o luxuosíssimo e centenário InterContinental New York Barclay, e evitou como pode sequer cruzar com ele. Passamos de vassalos a tóxicos para a Casa Branca num voo direto, sem escalas.

O discurso do presidente já foi suficientemente escrutinado pelos exageros, falácias e imprecisões, mas pouco se falou de outro aspecto igualmente deletério: o provincianismo, a estreiteza paroquial, a mesquinhez de usar aquela oportunidade tão nobre para ignorar completamente o palco mundial e focar na produção de conteúdo para o zap de convertidos.

É como se já tivesse jogado a toalha em relação a eleição do ano que vem e estivesse tentando desesperadamente manter ao menos a base de 10, 15% do eleitorado, para reeleger os filhos no legislativo, mantendo o foro privilegiado para eles, enquanto negocia com os companheiros Dias Toffoli, Fux, Lira e Aras algum tipo de anistia ou salvo conduto para o momento de descer do planalto para a planície. O presidente sequer tentou apelar para eleitores fora do cercadinho, que são insuficientes para dar um novo mandato a ele.

O Brasil, até abril deste ano, tinha o "4chanceler" Ernesto Araújo como titular do MRE, ele que se orgulhava do país "ser um pária" e que pilotava o Itamaraty para a ala ideológica do governo. Um fiel escudeiro de uma luta templária imaginária de meninos aloprados que gritavam "Deus Vult!" enquanto tiravam selfies com Donald Trump e curtiam o dolce far niente do jeito que só o dinheiro do contribuinte pode proporcionar. A troca pelo discreto Carlos França criou uma falsa esperança, totalmente superada ontem, de um novo tempo para a imagem do país no exterior.

Ninguém sinceramente esperava um pronunciamento de estadista, ou sequer uma venda convincente do país a investidores estrangeiros, o que combina com a falta de encontros na agenda com empresários e banqueiros, mas que ao menos falasse com alguma altivez aos brasileiros, acossados por 600 mil mortos por Covid, alguns escândalos revelados pela CPI que são dignos de contos de terror e uma crise econômica devastadora. Que nada.

Os doze minutos excruciantes de ontem serviram apenas para isolar ainda mais o país neste momento distópico, numa prova de que o divórcio da maioria dos brasileiros com seu presidente está cada vez mais próximo. Que seja, ao menos, não litigioso.

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