• Carregando...
E se o homeschooling for mesmo melhor que a escola?
| Foto: Steven Weirather/Pixabay

Antes de tudo, quero deixar absolutamente claro que sou a favor do homeschooling e que, acompanhando o editorial da Gazeta publicado ontem, considero a aprovação do Projeto de Lei 3.179/12 na Câmara Federal uma vitória para as famílias educadoras. Como publicamos repetidamente nessa coluna, o Brasil é signatário de convenções internacionais de Direitos Humanos que estabelecem o direito dos pais de darem a seus filhos a educação religiosa e moral de sua preferência.

E precisamos ser completamente honestos a respeito disso: sem negar nem por um instante a importância da escola para a criança e para a sociedade, é fato público e notório que um grau significativo de doutrinação ideológica acontece em muitas escolas, inclusive com admissão pública de professores. Ideias sobre virtudes e vícios, sobre a felicidade e a liberdade, sobre a natureza da autoridade, sobre moralidades afetivo-sexuais, teorias de gênero, concepções de Deus e da religião organizada, visões programáticas sobre a transformação da sociedade, e outros assuntos são frequentemente apresentadas sob um ângulo doutrinário particular e de modo unilateral. E assim os alunos são “recrutados” para a agenda civilizatória de uma classe ou movimento social.

Seria injusto assumir que isso se dá sempre e em todos os lugares; educadores eticamente conscientes e exemplares não faltam em nossas escolas; mas os tempos de polianismo são findos, nesse campo. E há muito tempo. Eu me lembro muito bem de como fui introduzido ao socialismo e ao culto dos valores da Revolução Francesa no ensino médio, e de como perspectivas não apenas ideológicas, mas também contrárias à fé cristã foram transmitidas às minhas filhas em alguns contextos educacionais.

Sem negar nem por um instante a importância da escola para a criança e para a sociedade, é fato público e notório que um grau significativo de doutrinação ideológica acontece em muitas escolas, inclusive com admissão pública de professores

O problema não reside, certamente, no mero fato de alunos estudarem sobre esses temas, do contrário nos sujeitaríamos ao mais perigoso obscurantismo, mas no fato de opiniões divergentes, sustentadas por pais de crianças e adolescentes, serem sumariamente desconsideradas na discussão de temas moralmente e religiosamente sensíveis. É preciso dizer, com todas as letras, que essa prática é uma violação de direitos humanos, contradizendo frontalmente a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e a Convenção Americana dos Direitos Humanos de 1969.

Se a escola pública ou privada não confessional pretende ensinar teoria de gênero ou recomendar uma interpretação de mundo conservadora, ela deve realizar uma busca ativa dos pais para discutir o assunto. Exatamente como o fazem as escolas confessionais – com a diferença de que os pais anuem à postura da escola nesses assuntos desde a matrícula.

Essa não é a única razão em favor do direito ao homeschooling, mas é, na minha perspectiva, a mais importante. A escola é e deve continuar sendo uma parceira das famílias na educação das crianças. Com certeza a escola cumpre também um papel socializador mais amplo, mediando entre a “tribo” e a “cidade”. O sentido do cívico, daquele que está além da consanguinidade e, enfim, a consciência republicana exigem estruturas educacionais que vão além da família. Mas o direito das famílias de educar de seus filhos é original, natural e anterior ao Estado. E, por isso mesmo, anterior à escola. Nesse sentido, a admissão do homeschooling é um enorme passo simbólico, no sentido de reconhecer os limites do Leviatã e de pôr limites na gana controladora do progressismo brasileiro. Foi, sim, uma vitória das famílias educadoras e dos direitos humanos.

Falando abertamente, famílias religiosas ou conservadoras obtêm, com isso, uma alternativa possível quando as escolas disponíveis se mostram indispostas a reconhecer os seus direitos. Se a escola insiste, por exemplo, em enfiar a teoria de gênero, ou elogios à revolução sexual, ou a teoria marxiana da mais-valia goela abaixo dos estudantes e dos pais, eles têm no homeschooling uma alternativa provisória de defesa. Provisória – não nos esqueçamos –, dado que a tarefa de refutar ideias ruins de apresentar opções melhores segue incontornável, e os estudantes eventualmente encontrarão pregadores ainda mais fervorosos dessas obtusidades na universidade.

E isso nos leva à questão dos limites do homeschooling, assunto de importância para todos os seus defensores; mas ainda tenho algumas palavras em defesa do modelo.

Em dezembro do ano passado Tyler VanderWeele, professor de Epidemiologia da Universidade de Harvard e diretor do “Programa de Florescimento Humano” da instituição, e dois membros de sua equipe publicaram na PLoS ONE um interessantíssimo estudo sobre o tema: “Tipos de escolarização na adolescência e saúde e bem-estar posterior de jovens adultos: uma análise ampla dos resultados”.

Pesquisa da Universidade de Harvard descobriu que adolescentes educados em casa apresentam maior disposição para o voluntariado, sentido de missão e propósito superior, maior capacidade de perdoar a outros, e menos parceiros sexuais

VanderWeele e sua equipe acompanharam 12 mil crianças por mais de dez anos, até a juventude adulta, num estudo longitudinal comparando diversos marcadores de saúde mental e bem-estar, como abuso de substâncias, engajamento comunitário e voluntariado, ansiedade, depressão e atividade sexual. Eles descobriram que há pouca diferença, nesse respeito, entre adolescentes de escolas públicas e privadas, mas que o jogo muda quando a comparação é com os homeschoolers: adolescentes educados em casa apresentam maior disposição para o voluntariado, sentido de missão e propósito superior, maior capacidade de perdoar a outros, e menos parceiros sexuais.

Mas, além disso, eles apresentaram uma probabilidade de permanecer participando de seus cultos religiosos 51% superior aos dos estudantes de escolas públicas. A equipe descobriu também que egressos de escolas confessionais têm vários marcadores de saúde e bem-estar superiores aos de escolas públicas, mas que a probabilidade de permanecerem na religião não é aumentada. Ou seja: no que tange à transmissão dos valores e crenças dos pais, o homeschooling é a estratégia mais eficiente.

Talvez o leitor esteja pensando, aqui, que a questão da participação na igreja é muito mais um interesse paroquial do que público, e que não teria grande força como argumento em favor do homeschooling. Mas essa não é toda a história. VanderWeele também é codiretor da Iniciativa sobre Saúde, Religião e Espiritualidade da Universidade de Harvard, e publicou diversos estudos de altíssimo nível sobre o impacto da religiosidade e da frequência a cultos religiosos na saúde e bem-estar dos indivíduos. Em um artigo de caráter mais popular, publicado com Brendan Case, ele resumiu alguns de seus resultados: médicos que frequentam igrejas têm 29% menos probabilidade de sofrer de depressão, 50% menos chance de se divorciarem e cinco vezes menos chance de suicídio do que os “sem igreja”. Profissionais que frequentam igrejas têm 33% menos probabilidade de morrer, num período de acompanhamento de 16 anos, do que os sem igreja. No caso de crianças e adolescentes, os três maiores fatores de risco (depressão, drogas e sexo prematuro) têm índices menores para os que frequentam o culto religioso. Profissionais que frequentam cultos religiosos sofrem menos “mortes por desespero” que os que não frequentam (68% para mulheres e 33% para homens). Escreve ele na Christianity Today:

“Nossas descobertas não são únicas. Uma série de estudos feitos por pesquisas grandes e bem planejadas descobriu que a frequência a cultos religiosos está associada a maior longevidademenos depressãomenos suicídiomenos tabagismomenos abuso de substânciasmaior sobrevida ao câncer e a doenças cardiovascularesmenos divórciomaior apoio socialvida com maior significadomaior satisfação com a vidamais participação no voluntariado e maior engajamento cívico.”

O direito das famílias de educar de seus filhos é original, natural e anterior ao Estado. E, por isso mesmo, anterior à escola. Nesse sentido, a admissão do homeschooling é um enorme passo simbólico

As descobertas de Tyler VanderWeele e de outros pesquisadores no florescente campo das relações entre espiritualidade e saúde indicam, contrariamente ao folclore psicanalítico ainda hegemônico no Brasil, que a participação regular em congregações religiosas faz bem para a saúde mental e física. Associe-se esse fato ao de uma provável superioridade do homeschooling na manutenção da fidelidade religiosa de jovens adultos, e teremos um argumento muito interessante e muito mais holístico em defesa do homeschooling. O ponto seria que esse modelo educacional favorece uma formação mais integral e mais voltada ao bem comum. E, além disso, mais barata, já que reduz a pressão sobre o sistema de educação pública e sobre o sistema de saúde pública: dois coelhos com uma cajadada só.

Enfim, como anunciamos, os limites: a equipe de VanderWeele também descobriu, no referido estudo do ano passado, que os egressos do ensino domiciliar apresentam uma nítida vulnerabilidade: sua probabilidade de cursar a universidade é 23% menor do que os egressos de escolas públicas e privadas. De algum modo, portanto, esse modelo vem falhando em abrir o horizonte acadêmico dos adolescentes.

Não há uma única explicação para isso; a possibilidade mais óbvia é a de que falta aos alunos do ensino domiciliar uma série de estímulos acadêmicos que estão disponíveis nas escolas, como por exemplo o contato com professores com conhecimento especializado, com bons livros e com recursos pedagógicos de qualidade superior, como laboratórios, excursões e feiras do conhecimento.

E quanto à alegação de que os jovens em homeschooling falhariam na socialização? Se considerarmos os estudos da equipe de VanderWeele, essa alegação não teria absolutamente nenhum fundamento. Muito antes pelo contrário, os egressos do ensino domiciliar, ao menos nos EUA, têm melhor sentido do bem comum do que os egressos de escolas tradicionais. O verdadeiro problema seria, então, de natureza especificamente acadêmica. Ademais, como todos sabemos, escolas públicas não socializam os alunos de forma neutra; eles socializam o conhecimento, a linguagem, sentimentos, percepções, virtudes, mas também os valores do liberalismo expressivo (como apontou Mark Lilla) e vícios; muitos vícios. É verdade que as escolas detectam e denunciam o altíssimo abuso infantil em famílias brasileiras; mas também é verdade que um enorme contingente de estudantes entra para as drogas e a promiscuidade no ambiente das escolas públicas brasileiras, e ninguém falou em fechar as escolas por causa disso.

Sem falar que denunciar pais abusivos e judicializar tudo não traz cura nenhuma para o problema. Afinal, as crianças não são paridas nas salas de coordenação das escolas. A solução passa por outro caminho: políticas pró-família decentes, educação para os pais, e cooperação do Estado com as igrejas que sabem como fazê-lo, segundo o princípio da laicidade colaborativa. A questão, aqui, é que a “solução” da esquerda é oportunista: “salvar” as crianças silenciando a família e a religião.

Preciso mencionar aqui outra limitação do ensino domiciliar: os estudos de VanderWeele indicam que egressos desse modelo tendem a manter a fé e a fidelidade religiosa na passagem para a vida adulta: muito bem. No entanto, isso acontece apenas quando os pais têm uma vida religiosa vibrante e autêntica, e quando essa religiosidade ocorre combinada com um ambiente familiar saudável.

Um enorme contingente de estudantes entra para as drogas e a promiscuidade no ambiente das escolas públicas brasileiras, e ninguém falou em fechar as escolas por causa disso

Esse é o resultado de uma outra pesquisa sociológica interessantíssima, conduzida por Christian Smith: o “Estudo Nacional sobre Juventude e Religião”, da Notre Dame University, nos EUA. A pesquisa da equipe de Smith mostrou que a fidelidade e permanência dos filhos na religião depende de três fatores: relacionamentos assertivos e também afetivos, combinando autoridade com amizade; intencionalidade no envolvimento dos filhos em relacionamentos e atividades que ajudam a personalizar a religião (como grupos de juventude em igrejas); diálogo moderado, mas também claro, dentro de casa, sobre as questões da fé; mas, acima de tudo, a autenticidade de sua própria vida religiosa. Isso significa que, se a religião não for algo importante para os pais – algo que ocupe sua agenda e seus interesses –, ela dificilmente será comunicada para os filhos.

Daí minha alegação de que o homeschooling não é uma panaceia: ele não preservará o seu filho na fé se você mesmo for um crente relapso. Para extrair o máximo benefício pessoal e social do homeschooling, será preciso levar a igreja a sério.

Em resumo: a escola pode até fazer coisas que o homeschooling não faz… mas há uma interessante evidência de que o contrário também é verdade.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]