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Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e do Brasil, Jair Bolsonaro, em evento dos Brics em Brasília, em 2019
Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e do Brasil, Jair Bolsonaro, em evento dos Brics em Brasília, em 2019| Foto: EFE/André Coelho

Em uma reunião virtual dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) na quinta-feira (19), o chanceler chinês, Wang Yi, defendeu a inclusão de mais nações no bloco de países de economias emergentes. Essa parece ser uma grande oportunidade para o Brasil embarcar em uma aliança que parece estar se fortalecendo no contexto de sanções à Rússia por causa da invasão à Ucrânia, certo?

Não necessariamente, pelo menos não no contexto do atual governo brasileiro. A administração de Jair Bolsonaro vê com certa desconfiança a possibilidade de um emaranhamento mais profundo com os Brics, especialmente com a China - segundo este colunista apurou junto à cúpula do governo brasileiro.

Então por que o governo Bolsonaro se aproximou de Vladimir Putin antes da invasão da Ucrânia e agora seus diplomatas parecem fazer malabarismo para amenizar as críticas a Moscou em fóruns internacionais? Isso ocorreu no Conselho de Direitos Humanos da ONU, no dia 12, quando o Brasil tentou amenizar palavras críticas à Rússia na votação de uma resolução. E voltou a acontecer no dia 19, quando todos os Brics defenderam que a Rússia não deve ser excluída do G20 - como havia sinalizado o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

A resposta principal para essa postura é a dependência do agronegócio brasileiro em relação aos fertilizantes da Rússia, que hoje representam um quarto das importações brasileiras desse tipo de produto.

Por ora, a compra de fertilizantes de Moscou não é objeto de sanções dos EUA - que estão preocupados com uma possível crise mundial de alimentos. O Brasil até conseguiu negociar cotas do produto que, antes das sanções à Rússia, seriam destinadas ao mercado europeu.

Em segundo plano, vem o interesse brasileiro em tentar adquirir tecnologia militar da Rússia, como relatei na coluna da semana passada.

O Itamaraty, por sua vez, afirma que adota uma posição de equilíbrio em relação à Rússia. A pasta defende, por exemplo, que uma investigação independente seja realizada antes que sejam feitas acusações de crimes de guerra contra a atuação de militares russos na Ucrânia. Também é favorável à ideia de que um G20 intacto pode ajudar a tirar o mundo da crise econômica.

Na reunião dos Brics, seus membros defenderam ainda a habitual pauta de aumentar a influência dos países emergentes nos órgãos que definem as normas do comércio internacional. Os ministros de relações exteriores também reiteraram seu compromisso com o multilateralismo, no qual estados soberanos cooperam para a paz por meio da ONU.

A pauta do multilateralismo

A invasão da Ucrânia pela Rússia vem sendo interpretada por muitos analistas internacionais como uma tentativa de Moscou de contestar a hegemonia global americana, em nome de uma ordem mundial multilateral.

Alguns leitores descontentes com as deficiências das democracias ocidentais e que veem um caráter predatório na expansão para leste da OTAN (aliança militar ocidental) passaram então a aplaudir a Rússia. Conversei com alguns deles e percebi que começaram a ver Moscou e Pequim como os novos aliados naturais do Brasil.

Sinto frustrá-los, mas isso não deve acontecer por ora.

A administração atual tem uma série de críticas ao posicionamento do Ocidente em relação à questão ambiental na Amazônia, por exemplo, mas isso não significa alinhamento automático com os rivais dos EUA e dos europeus.

A questão da Amazônia é emblemática. Isso porque muitas pessoas viram no ano passado um suposto apoio de Moscou ao Brasil, com o veto na ONU de uma proposta segundo a qual temas de segurança internacional relacionados a mudanças climáticas deveriam ser decididos no Conselho de Segurança da ONU. O temor era de que o destino da Amazônia pudesse ser decidido nas Nações Unidas.

Mas o veto de Moscou era, na realidade, para proteger seus próprios interesses, por possuir uma área florestal ainda maior que a Amazônia, na Sibéria.

Ou seja, mesmo sendo crítico a posicionamentos americanos e europeus, o Brasil se preocupa com a dependência econômica cada vez maior em relação à China. Há um temor crescente em relação à expansão supostamente “predatória” de Pequim sobre a África e a América do Sul. Além disso, o apetite comercial de Rússia e Índia também está longe de ser visto com simpatia pelo Brasil.

Isso não significa que o país vá se afastar dos Brics (até porque isso seria muito difícil diplomaticamente). Mas parece que Brasília não vai apostar num aprofundamento irrestrito das relações com o bloco. Isso mesmo em um cenário em que os Brics ganhem maior força e importância devido a uma possível aproximação de Rússia e China, por causa da invasão da Ucrânia.

Ou seja, a perspectiva mais provável é que o Brasil mantenha sua posição de pragmatismo, fechando os acordos mais vantajosos, mas sem investir em nenhuma rede de alianças internacionais.

É claro que tudo isso pode mudar com as eleições deste ano no Brasil. Existe a possibilidade de que a perspectiva de alinhamento com a Rússia e com a China encontre maior amparo em eventuais candidatos da esquerda - segmento político historicamente mais amigável a essas potências. Mas precisaremos ouvir as propostas dos candidatos antes de nos aprofundarmos nesse tipo de análise.

Os EUA querem evitar a guerra com a Rússia ou apoiar a vitória da Ucrânia?

O que podemos esperar daqui para frente no contexto internacional é uma possível aproximação de Rússia, Índia e China. Moscou deve entrar nesse jogo com suas fontes de energia e matéria-prima e Pequim e Nova Déli com a capacidade manufatureira.

Temerosa do bloqueio das reservas internacionais da Rússia em dólar, por causa da guerra, espera-se também da China uma intensificação da tendência de fazer negócios com sua moeda nacional, o yuan, em detrimento do dólar.

Os Estados Unidos, por sua vez, devem tentar capitalizar a falta de apetite chinês para criticar a guerra promovida pela Rússia. É quase certo que Washington deve voltar a tentar frear o crescimento da influência global da China, dessa vez usando como argumento o apoio de Pequim a Moscou.

Os americanos vivem também um dilema em relação à guerra na Ucrânia, segundo editorial do jornal The New York Times publicado na semana passada: apoiar a Ucrânia até a vitória total, mesmo que isso demore, ou tentar minimizar a possibilidade de um confronto direto com a Rússia.

Washington aprovou no Senado um pacote de ajuda financeira e militar à Kyiv de US$ 40 bilhões (R$ 195 bilhões) na quinta-feira. Mas republicanos isolacionistas já começam a fazer críticas e a coalizão americana que dá suporte à Ucrânia pode se desfazer no futuro.

Os partidários de uma intensificação da ajuda à Ucrânia contra a Rússia argumentam que só uma vitória total sobre Moscou em território ucraniano vai garantir a paz. Segundo eles, um acordo de paz no momento só postergaria uma nova guerra e daria tempo para os russos se prepararem melhor.

Já a outra corrente de pensamento argumenta que seria melhor tentar convencer os ucranianos a ceder território para chegar a um acordo de paz. Ao se reduzir a duração do conflito, diminuiria-se também a possibilidade de que um erro de cálculo provocasse a escalada do conflito para uma guerra direta entre a Rússia e a OTAN.

“Uma vitória da Ucrânia sobre a Rússia com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia é tecnicamente viável, mas politicamente é muito difícil que se concretize”, afirmou o especialista em análise de riscos e major da reserva do Exército Nelson Ricardo Fernandes Silva.

Segundo ele, a Rússia ainda tem uma grande quantidade de tropas e equipamentos para utilizar na guerra, enquanto a Ucrânia opera no limite dos seus recursos materiais.

As fábricas de armas e munições ucranianas estão sendo sistematicamente destruídas pela Rússia. Os depósitos e refinarias de combustível foram aniquilados e a Ucrânia já lida com problemas de mobilidade.

Por causa disso, o fluxo de armamentos e ajuda financeira das potências ocidentais terá que ser cada vez maior para que a Ucrânia consiga começar a pensar em uma contraofensiva.

“Na medida em que o efeito desses custos for chegando nas economias europeias e americanas, o apetite para a ajudar a Ucrânia pode começar a cair”, opinou o analista.

Por outro lado, isso não significa que o apoio está prestes a acabar, ao menos não nos Estados Unidos. Com a aprovação do atual pacote, a ajuda à Ucrânia chega a US$ 54 bilhões. Isso equivale a menos de um décimo do orçamento anual de defesa americano, que é de US$ 750 bilhões.

Washington por ora está numa posição confortável, na medida em que enfraquece a Rússia, seu rival geopolítico, sem o ônus de perder soldados no campo de batalha. Mas cresce o receio de que essa arriscada estratégia desencadeie eventualmente um novo conflito global.

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