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Curitiba é um túmulo (e a culpa também é nossa)
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Alguém pode dizer o que aconteceu com a nossa cidade? Em que momento ela se tornou refém dos chatos, egoístas e mal-humorados? E por que a galera “descolada” não reage? Primeiro foi a Pedreira (desculpem, mas sou obrigado a bater mais uma vez nessa tecla), o mais criativo espaço para shows do país, que desde 2008 está interditada por conta da má vontade de pouco mais de uma centena de vizinhos – que tiveram seus imóveis valorizados com a construção da Pedreira e da Ópera de Arame, mas não toleram as invasões dos “bárbaros” que usufruíam do lugar.

E de lá pra cá a coisa só piorou. No dia 3 de março, o tradicional grito de carnaval do bar Ao Distinto Cavalheiro foi emudecido pela polícia – se não me falha a memória, por volta das 20h30 –, que inclusive chegou a prender o professor Wellington Wella, um dos sócios do bar (conforme você pode ver na hilária foto abaixo). Mais uma vez, os policiais apenas “cumpriram seu dever” depois de terem sido acionados por mais um dos vizinhos rabugentos que proliferam em Curitiba.

Reprodução
Flagrante da prisão do professor Wella, em março: grito de carnaval emudecido.

No Bacacheri, a casa noturna Wood’s já foi fechada várias vezes por causa dos vizinhos – mas aqui preciso fazer uma ressalva: por mais que o estabelecimento tenha um dos melhores sistemas de isolamento acústico do país, ele padece da irresponsabilidade, falta de noção e egoísmo de alguns dos seus clientes, que, alterados pela bebida, com frequência se envolvem em brigas, gritaria e arruaça na saída do bar. Para piorar, a melhor noite da casa é a de quarta-feira, e a região onde ela funciona (a Rua México) é essencialmente residencial. Ou seja, nesse caso, os reclamantes até que têm razão.

Recentemente, quem entrou na mira dos desmancha-prazeres foi a Praça da Espanha e seus simpáticos shows ao ar livre das tardes de sábado – promovidos pela Mundo Livre FM. No último sábado, o evento foi cancelado por problemas de licitação. Além disso, a vocalista (de bandas como Volkana e Cores D Flores), produtora e agitadora cultural Marielle Loyola, que comanda o circuito Batel Soho, contou que desde o “Réveillon fora de época” – que no dia 18 de março levou milhares de pessoas ao local –, só é possível fazer shows acústicos por lá. Outra ressalva: parece que a inexplicável mobilização (eu não fui) realmente provocou muitos transtornos, lixo e avarias na praça. Mas NÃO TINHA MÚSICA!

A vítima mais recente da “patrulha do silêncio” foi o Beto Batata Original, um dos espaços culturais mais tradicionais da cidade, que há 12 anos funciona na Rua Professor Brandão, no Alto da XV. Conforme você pode ler aqui, na matéria da Aline Peres, na noite de sábado o estabelecimento foi fechado em mais uma espalhafatosa Ação Integrada de Fiscalização Urbana (a famigerada Aifu), com 15 viaturas e homens fortemente armados. A operação acabou com uma festa de 15 anos que acontecia no local, obrigando cerca de 150 clientes – inclusive idosos e crianças – a sair. Detalhe: o Beto Batata é um dos principais incentivadores da cultura na cidade, promovendo exposições de artistas plásticos e abrindo espaço para os melhores músicos de Curitiba (de jazz, blues e MPB, não de heavy metal).

Walter Alves/Gazeta do Povo
Manifestação contra o fechamento do Beto Batata, realizada ontem: contra a patrulha do silêncio.

Notificado e autuado em R$ 3 mil, o proprietário Robert Amorim foi autorizado a reabrir o espaço, desde que “sem música”. Mas decidiu continuar fechado em sinal de protesto – o que vai deixar 64 funcionários sem trabalho (incluindo 48 músicos e 16 outros profissionais).

O Beto Batata é apenas o mais recente de uma longa lista de estabelecimentos interditados pelas Aifus, conforme você pode relembrar nesta matéria, que eu escrevi para a Gazeta em julho do ano passado. A lista inclui bares conhecidos como Wonka (que voltou a ser fechado na quinta-feira retrasada), O Torto, John Bull Pub, Era Só O Que Faltava, Babilônia e muitos outros. Na reportagem você também pode ler as justificativas do poder público para as operações.

Mas eu continuo achando exagerado e desproporcional ao “incômodo” causado pelas casas noturnas. Óbvio que é preciso haver bom senso, e que a diversão dos boêmios não deve impedir o descanso de quem mora perto dos bares. Mas há formas menos agressivas de tratar o assunto. E é preciso levar em consideração que, para o bem e para o mal, Curitiba cresceu – e não pode mais ser administrada como uma vila pacata. Como em qualquer lugar do planeta, quem quiser sossego e silêncio, que se mude para sítios, bairros tranquilos ou condomínios isolados.

Para finalizar, quero expressar minha decepção também com os jovens e a galera “descolada” que está sendo privada dos seus espaços de lazer. Eles conseguem reunir mais de 5 mil pessoas na Praça da Espanha para NADA – a mobilização absolutamente sem propósito do Réveillon fora de época –, mas quando é para unir forças e reagir contra a asfixia da vida cultural na cidade (seja no caso da Pedreira ou no fechamento dos bares), o máximo que fazem é reclamar pela internet. E aí, vão ficar aí sentados, esperando Curitiba virar definitivamente um túmulo cheio de mortos-vivos?

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