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Comandante do Exército dá recado às viúvas de 1964
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1964

Da coluna Caixa Zero, publicada nesta quarta-feira, na Gazeta do Povo:

Lidar com os brios do Exército é sempre complicado. Ainda na ditadura, Ernesto Geisel queria enquadrar os milicos e mostrar que ele era quem mandava. Para fazer a abertura “lenta, gradual e segura” teve de aguentar a pressão da linha dura, que queria fechar cada vez mais o regime. Terminou tendo de demitir o ministro do Exército, Sylvio Frota. Na época, segundo depoimento de José Sarney colhido por Elio Gaspari, estava claro que um dos dois tinha de sair. Frota caiu, tentou um golpe, mas Geisel venceu.

Neste ano em que se completam 50 anos do golpe de 1964, viu-se que os defensores da ditadura, embora escanteados, continuam por aí. Isso entre os civis. Imagine-se entre os militares, que por questão de hierarquia não podem falar do assunto. Para se ter uma ideia da batalha ideológica ainda em curso, basta olhar o site oficial do Exército. Desde 2010, quando O Estado de S. Paulo noticiou que a página sobre a história da instituição classificava o golpe como “opção pela democracia”, o texto sumiu. Seria normal vê-lo substituído por outro, mas há quatro anos quem entra lá vê apenas a informação de que o conteúdo está “em manutenção”.

Quanto tempo será necessário para que o Exército chegue a uma versão sobre os fatos de meio século atrás? Parece que ainda não estamos lá. Na semana passada, depois dos pedidos do ex-presidente Fernando Henrique para que o Exército apresentasse desculpas ao país pelos erros cometidos, um general da reforma deu o tom. Rômulo Bini escreveu que quem o fizesse seria classificado de traidor, “à semelhança de Calabar”. Em miúdos, nada feito. O Exército pode aceitar que não lhe deixem falar em “opção pela democracia”, mas não aceitará que fez a opção pela ditadura.

Por isso tudo, não deixa de ser boa notícia um pronunciamento que por enquanto passou despercebido. Atual comandante do Exército, o general Enzo Peri, gravou vídeo de Ordem do Dia em comemoração ao aniversário do Exército, celebrado dia 19. É o pronunciamento da autoridade militar mais perto aos 50 anos da derrubada de João Goulart. E dá um recado indireto para os comandados – de generais a soldados. A mensagem é: chega de olhar para trás.

“Sabe-se que apenas deleitar-se com as conquistas do passado é o caminho mais curto para o desastre futuro”, diz o general. “A arrogância é o rastilho da queda.” E mais: “Preservando o imutável[…], seguimos evoluindo, mudando. Não perdemos tempo e energia decantando glórias do passado. Quando as recordações superam os sonhos, o fim está próximo”. Para não deixar dúvidas. “Sabe-se que as organizações que vivem a olhar sobre seus próprios ombros não se dão conta do trem que vem em sentido contrário.”
Numa estratégia à maneira de Golbery, o general dá uma no cravo e outra na ferradura. Fala em “conquistas e glórias”, mas diz que o melhor é deixar isso para lá e pensar na missão futura, que segundo ele é a era da tecnologia. Nenhuma relação, portanto, com política e com governos.

Mas talvez o principal recado venha mesmo em uma omissão. Ao listar os feitos do Exército em seus mais de três séculos, ele lembra de batalhas internas, de envio de tropas ao exterior, a proteção de vítimas de desastres naturais e a pacificação de áreas conturbadas. E 1964? Nada. Nem mesmo uma palavra. Não está na lista das glórias. Não poderá ser chamado de Calabar por seus comandados. Mas não podia ser mais claro. Ou precisa desenhar?

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