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Da coluna Caixa Zero, publicado nesta quarta-feira, na Gazeta do Povo:

O filósofo Michael Sandel, professor de Harvard, diz que o debate econômico americano ficou empobrecido quando só duas questões passaram a importar: quanto o país cresce e quanto será distribuído para cada um. Nem sempre a pergunta sobre quanto dinheiro deve fixar no bolso de cada um foi a mais importante, diz ele. Na formação do país, e durante parte do século 19, os presidentes e os políticos se importavam também com outra coisa: como fazer a economia funcionar de modo a gerar uma sociedade politicamente mais justa.

Explica-se. O debate em que Thomas Jefferson e seus contemporâneos estavam envolvidos tinha a ver com a urbanização e, depois, com o tamanho das empresas que surgiam nas cidades. Era a fase depois da Revolução Industrial, e as pequenas biroscas familiares começavam a dar lugar a grandes indústrias. Alguns, como Jefferson, achavam importante manter forte a tradição agrária no país. Chegava-se a falar em frear o tamanho das corporações.

O motivo era simples. Quanto maiores elas fossem, mais influenciariam a vida do país. Mais seriam soberanas. E os cidadãos, menos. Ficariam expostos às decisões dos controladores das empresas não só no mundo no trabalho. As corporações passariam a ditar as regras, a moldar as cidades e, claro, interfeririam na política. Isso numa época em que ainda não havia a Coca-Cola nem existiam as gigantes automotivas.

Hoje seria difícil até mesmo começar a discutir economia por esse lado. Limitar tamanho de corporações ou seu poder virou uma espécie de tabu. Até mesmo porque os americanos do século 18 estavam certos: deixou-se que elas crescessem demais e hoje não só o lobby a seu favor é imenso como algumas empresas se tornaram importantes demais. E ficamos dependentes da própria existência delas.

Mas há maneiras de reduzir a influência desse fato consumado. A tentativa de impedir que as empresas doem para candidatos no Brasil é uma delas. Pode parecer algo quixotesco. Mas não. Se queremos manter a ideia do autogoverno, de que são os cidadãos que devem ser os principais autores da lei e do governo, que devem ter direito ao autogoverno e que a interferência de gigantes endinheirados pode se tornar um fator deformador da boa democracia, não é nada absurdo vedar as doações. Pelo contrário.

Nos Estados Unidos, onde a influência empresarial nas eleições, é ainda maior do que aqui, há uma pesquisa feita regularmente para explicar como ocorreu a “compra do presidente”. Exagero? Em 2010, mais de dois terços das doações para candidatos partiram de empresas. Sabe-se que muitas delas cobram depois o preço em facilidades e contratações. Mas mesmo que não o façam. Ao eleger seus favoritos e dar a eles uma tremenda vantagem financeira, já deformam a corrida desde o início. Quem tem o dinheiro, no final, decide a eleição. A não ser que se acredite ainda na ideia do tostão contra o milhão.

Diz-se por aí que defender o fim das doações seria beneficiar o PT e o atual governo. Pode ser que o partido se beneficie, certamente, principalmente em razão de sua imensa base sindical. E esse é um argumento a ser levado em consideração. Mas não há dúvida de que decidir que tipo de democracia queremos no longo prazo tem de ser o ponto mais importante.

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