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Muito prazer, eleitor. Nós somos o Congresso que você elegeu
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Foto: Zeca Ribeiro/Ag. Câmara

Na maior parte do tempo, os deputados passam debaixo do radar da população. As pessoas se lembram de votar a cada quatro anos, mas durante o mandato têm muito o que fazer – e dificilmente ligarão a TV Câmara na hora de descanso.

Mesmo no horário eleitoral gratuito, os deputados têm pouquíssimos segundos para tentar convencer o eleitor na tevê e no rádio. Para eles, que vivem de opinião pública, a chance de aparecer em cadeia nacional de tevê votando algo com que as pessoas se importam é ouro em pó, oásis em meio à obscuridade de seu dia a dia.

Por isso, os deputados sorveram com gosto cada minuto de celebridade desde a sexta, mesmo na sessão fantasma da madrugada, podendo falar por longos três minutos para a tevê – quando já nenhum outro deputado estava no plenário e apenas um presidente interino chamava o parlamentar da vez, interrompendo para isso a cada três minutos a ligação no celular que o distraía.

Na sessão de domingo, então, os parlamentares se lambuzaram. Seriam apenas dez segundos para cada um. Mas eram dez segundos não na TV Câmara, e sim praticamente em todas as tevês e sites de política do país. Alguns tentaram estender esses instantes de glória o quanto puderam. Isso é material para programas futuros, para sites, newsletters, para comentar nas cidades onde têm eleitores. Água em meio ao deserto.

Para os eleitores comuns, foi também um dia de revelação. Muitos jamais tinham visto seu parlamentar em ação, talvez seja mínima a parcela da população que já havia acompanhado uma votação inteira na Câmara dos Deputados. O susto há de ter sido grande. Não só pelos discursos absurdos como também pelo absurdo circo em que se transformou o plenário da Câmara durante as seis horas de sessão.

Houve briga entre deputados. Houve deputado cuspindo em deputado. Houve gente gritando, dando votos que mais pareciam espasmos agônicos ou momentos de prazer erótico mal permitidos para a tevê naquele horário. Houve momentos de raiva, palavrões, ironias, deputados se chamando de ladrões o tempo todo. Mas, principalmente, o povo teve a chance de ver aquilo que a imprensa diariamente registra sobre o Congresso, aquilo que para o cientista político parece uma banalidade.

Sempre se fala na bancada evangélica, no alto teor religioso das decisões do Congresso. Mas neste domingo, a população pôde ver de fato os deputados a todo momento invocando a Deus para suas decisões. Pôde ver que 93% dos evangélicos foram pelo impeachment, mostrando o quanto a pauta “progressista” do PT é mal vista por esse setor. Pôde ver menções ao povo de Israel, ao “Arquiteto do Universo”, à Bíblia, inclusive com citações de passagens célebres.

Todos sabem da existência da bancada da bala, com seu ódio imanente aos direitos humanos, sua aversão a discutir possíveis causas sociais e ambientais da criminalidade, sua defesa do linchamento, da tortura e da violência policial. Mas no domingo o cidadão pôde ver dois deputados federais de fato homenageando em alto e bom som, em público, na Casa que representa a garantia da democracia brasileira, os militares que deram o golpe de 1964. Com uma especialmente aflitiva e cruel menção ao mestre de todos os torturadores, coronel Brilhante Ustra.

Sempre se fala na desproporção machista entre homens e mulheres no Congresso, com menos de 10% para as mulheres – embora elas sejam 50% do eleitorado e até um pouco mais. Mas no domingo pôde-se perceber realmente como as vozes femininas são ausentes e como têm pouco peso – por elas, Dilma não teria o impeachment aprovado, mas isso não mudou em nada o resultado como um todo.

Sempre se fala no fisiologismo, mas no domingo o eleitor pôde perceber como deputados que até ontem votavam com Dilma, inclusive em nome de cargos, agora votaram contra a presidente, na esperança de obter talvez algo melhor com Temer.

Fala-se de hipocrisia do centrão fisiologista, mas só neste domingo talvez tenha ficado claro para a população que os investigados da Lava Jato em peso (e foram mais de 72% dos votos) disseram estar votando no impeachment para pôr fim à corrupção. Esses votos vieram majoritariamente do PP e do PMDB, sócios do petismo no loteamento e nas licitações cartelizadas da Petrobras.

No geral, o eleitor pôde perceber que os deputados votaram não em nome daquilo que diziam, mas sim em nome de interesses pessoais. E pôde perceber, talvez, que o Congresso Nacional deveria ser objeto de nossa preocupação urgente – talvez mais mesmo do que o próprio Executivo.

Por isso, pelo menos, a sessão de domingo talvez tenha sido saudável. Mas, convenhamos, nem por isso deixou de ser um espetáculo deprimente.

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