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Protesto de alunos a favor da professora. Foto: Maria Eduarda Santos.
Protesto de alunos a favor da professora. Foto: Maria Eduarda Santos.| Foto:
Foto: Rogerio Theodorovy/Arquivo Gazeta do Povo.

Foto: Rogerio Theodorovy/Arquivo Gazeta do Povo.

Uma professora de História do Colégio Medianeira, de Curitiba, pediu demissão da função, depois de dez anos de trabalho, por estar se sentindo intimidada com a postura de pais de alunos nas redes sociais. A professora, que dava aulas para a turma de 9.º ano, também apagou suas contas de Twitter e de Facebook, e prefere não dar entrevistas sobre o tema.

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Tudo começou quando a professora, que leciona História dos Movimentos Sociais no Século XX e História da América Latina, se manifestou no Facebook sobre um protesto dos alunos. Alguns estudantes do Medianeira compareceram ao colégio vestindo preto, afirmando que estavam protestando contra a corrupção. A professora foi á sua rede social particular e deu sua interpretação dos fatos.

 “Hoje vi crianças numa escola, vestindo preto e pedindo golpe. Desprezando a democracia e exalando ódio. Parece que não conseguimos escapar do que Marx profetizou quando disse que a História de repete, primeiro como tragédia, depois como farsa…”

Pais de alunos do colégio viram a postagem e a reproduziram em um grupo fechado no Facebook, com 800 participantes. As reações foram das mais exaltadas.

“Comunista descarada!”, dizia um.

Eis alguns outros exemplos:

“Minha filha ainda está no ensino fundamental, mas se quando ela chegar no ensino médio, esses professores ‘dinossauros’ ultrapassados continuarem a lecionar, vamos ter problemas!!!! O socialismo fracassou no mundo inteiro!!! Quando eles vão acordar!!!”

“À diretoria do colégio deve tomar uma providência. Sou totalmente contra a ideologia de esquerda… Não aceito em hipótese alguma que professores fiquem doutrinando minha filha… Se minha filha aparecer em casa com alguma ideia esquerdista, vai dar confusão…”

“O pior é que no desenvolvimento de textos eles não podem fugir desta “filosofia” destes cidadões por medo de serem punidos na avaliação !Vão por mim : a coisa é muito pior q parece!”

“SE EU PEGAR ALGUM TEXTO COMUNISTA no caderno do meu filho eu vou RASGAR e devolver rasgado. E vou convidar o professor a me convencer. O COMUNISMO SÓ DEU CERTO NA CABEÇA DELES………..Argentina caiu, Venezuela caiu, e por aí vai. MAS ISSO É CULPA DA COORDENAÇÃO DE ENSINO EM DEIXAR QUE ISSO ACONTEÇA.”

O clima que se seguiu foi definido por um pai de aluno como “macartismo” (em referência ao período da história dos EUA, nos anos 1950, em que comunistas eram alvo de perseguição). A professora foi alvo de reclamações e pais pediram que ela fosse afastada. No fim, ela mesma acabou pedindo o afastamento e se retirou das redes sociais.

O colégio assumiu a defesa da professora e diz que não aceitou sua demissão. Diz que ela tem 10 anos de casa e é uma excelente professora, que tem o direito de se manifestar publicamente, especialmente fora de sala de aula. “O colégio é solidário à professora e repudia a incitação ao ódio”, diz a assessoria do colégio.

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No fim de semana, o Medianeira publicou uma carta na internet sobre o tema, sem se referir exatamente à situação da professora. Eis um trecho:

“É fundamental que nossos educandos e educandas, professores e professoras, pais e mães, sintam-se seguros, possam manifestar seus pensamentos, convivam em meio à diversidade de opiniões e de posicionamentos políticos. São pressupostos para a formação de pessoas reflexivas com sentido de história, de tempo e de espaço, do local e do global, do racional e afetivo. Por isso, são construções e não algo dado naturalmente.

Convidamos a todas e todos a essa tarefa. Que o princípio do discernimento, tão caro à tradição educativa jesuíta, nos auxilie a ler estes e outros sinais, responsabilizando-nos por essa construção, pois como nas palavras do jesuíta  Pe. Arrupe, “somos mais quando nos abrimos aos demais”.

Alunos também fizeram uma manifestação no colégio, vestindo branco e com cartazes em defesa da professora.

Protesto de alunos a favor da professora. Foto: Maria Eduarda Santos.

Protesto de alunos a favor da professora. Foto: Maria Eduarda Santos.

Pais de alunos também assinaram uma carta em sua defesa:

“Nós, pais e mães de alunos do Colégio Medianeira apoiamos a continuidade de seu projeto político-pedagógico, que é pautado, entre outros princípios, na busca do diálogo, da livre expressão de ideias, do respeito aos direitos humanos e do estado democrático.
Apoiamos a escolha de professores que além do ensino do conteúdo curricular, promovem o debate e a análise crítica da realidade. Ao nosso ver, este é o maior valor ensinado na vivência escolar.

O ensino “neutro”, sem posicionamento político, que está sendo requerido por alguns, é a reedição de uma farsa imposta na época da ditadura militar e que nos subtraiu tanto da capacidade de análise crítica da realidade e nos induziu ao pensamento da mídia dominante, fantasiosa, eivado pelos interesses de manutenção de uma ordem social desigual e excludente.
Se somos partidários da construção de uma sociedade mais justa, não somos neutros ou imparciais. Já nos posicionamos. O comportamento ‘apolítico’ foi aquele imposto pela ditadura.

A escola livre de posicionamentos, ensinando “apenas” a ciência, como se também fosse neutra da mesma forma, não existe. Estamos firmemente posicionados contra a quebra dos direitos constitucionais e do Estado de direito, porque não queremos viver a volta da ditadura, os crimes do Estado contra os cidadãos, as torturas, os assassinatos, o medo e o horror legalizados.

No atual momento político e social que a sociedade brasileira vive, há claramente a intenção de criar um clima de caça às bruxas, sobretudo voltado aqueles que compartilham suas ideias progressistas. Consideramos que uma instituição, como o Colégio Medianeira, deve hoje ser a garantia de lucidez e firmeza na manutenção de uma formação democrática, plural e inclusiva.
Seguimos juntos na construção de uma sociedade democrática e melhor para todos.”

Com colaboração de Euclides Lucas Garcia.

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