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Paulo Coelho na fase hippie. Fotos: Arquivo pessoal do escritor.
Paulo Coelho na fase hippie. Fotos: Arquivo pessoal do escritor.| Foto:

 

Hippie, novo livro do autor de língua portuguesa mais lido no mundo, relata em linguagem de ficção sua passagem por Vila Velha e Ponta Grossa, onde foi detido pelo regime militar. O episódio ocorrido no Paraná foi a chave para o jornalista Fernando Morais escrever a biografia O Mago.

 

O cenário é o mesmo – Vila Velha e Ponta Grossa, no Paraná –, mas as histórias contadas sobre o mesmo episódio têm conotações diversas. Quem leu O Mago, biografia de Paulo Coelho lançada pelo jornalista Fernando Morais em 2008, ao ler agora Hippie, novo livro do escritor, certamente vai perceber a linha tênue que existe entre realidade e ficção na vida e obra do parceiro de Raul Seixas durante muitos anos.

Paulo Coelho com Raul Seixas, com quem compôs grandes sucessos.

 

 

No novo livro, que retrata o universo da contracultura dos anos 1960 e 1970, da turma da “paz e amor”, Paulo Coelho dedica várias páginas à sua passagem pelo Paraná, em 1969. E conta como foi preso e torturado em Ponta Grossa, em pleno regime militar.


Eu nasci há 10 mil anos atrás, um das letras e música de maiores sucessos da parceria Paulo Coelho e Raul Seixas.
Narrado em terceira pessoa, o personagem central do enredo leva o próprio nome do autor. Depois de andar pela América Latina e lugares fantásticos como Machu Picchu, o jovem Paulo e sua namorada – uma loura hippie da república comunista Iugoslávia, hoje extinta – decidem conhecer um lugar chamado Vila Velha, “que muitos diziam na época ser maravilhoso, um sítio geológico com impressionantes esculturas naturais, esculpidas pelo vento”.

“Vamos conhecer Vila Velha, claro. Um lugar fantástico. Um sítio geológico com impressionantes esculturas naturais, esculpidas pelo vento.”

Trecho do novo livro (Hippie) de Paulo Coelho

Depois da passarem o dia todo sozinhos em Vila Velha, Paulo e a namorada foram para Ponta Grossa e procuraram um hotel para se hospedar. Quando saíam do hotel à noite para jantar foram “sequestrados” e levados para uma prisão do Exército, suspeitos de pertencerem a um grupo guerrilheiro.

As cenas seguintes são de violência extrema. Forçado a colocar um capuz, ao chegar à prisão foi obrigado a ficar totalmente nu e passou a ser espancado com socos e chutes. Os golpes eram acompanhados de perguntas. Os sequestradores – militares do regime – queriam saber o que ele foi fazer na Bolívia, queriam informações sobre guerrilha, comparsas e se ele tinha contato com companheiros de Che Guevara.

Mesmo que Paulo contasse sobre as “viagens astrais”, da ida a Machu Picchu, no Peru, que era apenas uma pessoa procurando viajar e conhecer o mundo, em busca de um sentido para a vida, os torturadores insistiam. Paulo ainda tentou saber o que estava acontecendo com sua namorada.

Paulo Coelho em Vila Velha com a namorada horas antes de ser preso, em 1969.

“A que foi enviada de um país comunista, da Iugoslávia, para acabar com a democracia no Brasil? Ela está tento o tratamento que merece”, foi a resposta.

A sessão de tortura só parou quando Paulo decidiu se livrar da submissão no momento em que o ameaçaram com choque elétrico. “Vocês acham que eu tenho medo de choque. Vocês acham que tenho de medo de dor? Pois não se preocupem – eu vou torturar a mim mesmo. Já estive internado em um manicômio não uma, não duas, mas três vezes”. E em seguida começou a unhar seu corpo e arrancar sangue.

No dia em que foi solto, Paulo não sabia quanto tempo ficou na prisão – “não havia janelas, a luz ficava o tempo tinteiro acesa”.

Com Raul Seixas, amigo e parceiro musical.

O tesouro do baú

Na obra biográfica, o jornalista Fernando Morais conta que a prisão de Paulo Coelho no Paraná mudou totalmente o rumo do seu trabalho. Tudo por causa de um baú. Não era o baú do Raul (Seixas), e sim o baú do “mago”.

Depois de ter passado mais de oito meses vasculhando as histórias e gavetas de Paulo Coelho, Morais deparou com um testamento do escritor que tinha um item com uma descrição intrigante: “meu baú deverá ser incinerado imediatamente após a minha morte”. Encucado, o biógrafo perguntou por mais de uma vez ao Mago o que tinha dentro do baú, mas ele sempre evitava falar sobre o assunto.

Passado um tempo e depois de tanta insistência do jornalista, veio a surpresa. Paulo Coelho telefonou tarde da noite para Morais e lançou um desafio: “Se você descobrir quem foi o major que me torturou em agosto de 1969 no interior do Paraná, na cidade de Ponta Grossa, eu te dou as chaves do baú”.

Letra de música de Paulo Coelho gravada por Raul Seixas inspirada na fase hippie.

A partir daí Morais iniciou uma busca desesperada por informações. Levantou quantos majores haviam atuado na época no 13º Batalhão de Infantaria Blindado (13º BIB) em Ponta Grossa, quantos haviam morrido, quantos estavam vivos e cruzou os dados com os contidos no livro “Tortura Nunca Mais”.  Depois do minucioso trabalho o jornalista concluiu que havia identificado o homem que poderia lhe render a “chave do baú”. E o mais interessante: esse homem estava vivo. Com a certeza de que aquele militar lhe valeria o “tesouro” do Mago, partiu para o encontro tão esperado.

O desfecho foi pior do que o previsto. “Fui até lá e na hora em que comecei a falar, ele me botou para fora de casa. Começou a gritar que era ‘um absurdo, só me faltava essa de ser difamado pelo mundo como o torturador de Paulo Coelho!’ Disse que nem sabia de Paulo Coelho, que nem se lembrava dessa época, e que nunca havia torturado ninguém”, conta Morais.

Mas nem tudo estava perdido. Antes de ir embora, o jornalista fez uma foto do major com o celular e a enviou para Paulo Coelho. E perguntou: “É esse o cara?” O Mago examinou a foto e sentenciou: era ele mesmo. Então Morais ganhou a chave do tesouro, um baú com 40 anos de diário de Paulo Coelho, dos 10 aos 50 anos de idade. Como Indiana Jones diante da arca do Santo Graal, o jornalista jogou fora tudo que havia escrito até então e começou a história novamente do início.

Posfácio: no final do livro Hippie, Paulo Coelho diz que, ao episódio de sua prisão no Paraná, ele acrescentou fatos de duas outras vezes em que foi preso pela ditadura militar, em 1974.

LEIA TRECHO DO NOVO LIVRO

“Vamos conhecer Vila Velha, claro. Um lugar fantástico. Um sítio geológico com impressionantes esculturas naturais, esculpidas pelo vento – que a prefeitura da cidade da cidade mais próxima tentava a todo custo promover, gastando uma fortuna. Todos sabiam que Vila Velha existia, porém alguns mais desavisados iam parar numa praia em um estado próximo do Rio de Janeiro, e outros achavam muito interessante, mas muito trabalhoso ir até o lugar onde estava situada.

Paulo e a namorada eram os únicos visitantes do local e ficaram impressionados como a natureza consegue criar cálices, tartarugas, camelos – melhor dizendo, como somos capazes de dar nomes a tudo, mesmo que o tal camelo na verdade parecesse uma romã para a namorada e uma laranja para ele. Enfim, ao contrário do que viram em Tiahuanaco, as tais esculturas em arenito estavam abertas a todo tipo de interpretação.

Dali pegaram outra carona até a cidade mais próxima. A namorada, sabendo que faltava pouco tempo para chegar em casa, decidiu – realmente ela era quem decidia tudo – que naquela noite iriam, pela primeira vez em muitas semanas, dormir em um bom hotel e comer carne no jantar! Carne, uma das tradições daquela região do Brasil, algo que não provavam desde que saíram de La Paz – o preço sempre parecia exorbitante.

Foram registrados em um hotel de verdade, tomaram banho, fizeram amor e desceram para a portaria, com a intenção de perguntar sobre algum bom restaurante onde podiam comer a quantidade que quisessem, em um sistema conhecido como rodízio.

Enquanto aguardavam que o porteiro aparecesse, dois homens se aproximaram e pediram, sem nenhuma educação, que os acompanhasse ao lado de fora do hotel. Ambos tinham as mãos no bolso, como se estivessem segurando uma arma, e queriam deixar isso bem claro.

‘Fiquem calmos’, disse a namorada, convencida que estavam sendo assaltados. ‘Tenho lá em cima um anel de brilhantes.’

Mas já estavam sendo segurados pelos braços e empurrados para fora – separados imediatamente um do outro. Na rua deserta estavam dois carros sem marca nenhuma, e mais outros dois homens – um deles apontando a arma para o casal.

‘Não se movam, não façam nenhum movimento suspeito. Vamos revistá-los.’

E começaram, de maneira bruta, a tocar o corpo dos dois. A namorada ainda tentou dizer alguma coisa, enquanto ele entrava em a espécie de transe, de pavor absoluto. Só o que conseguia fazer era olhar para o lado para ver se alguém que testemunhava a cena terminaria por chamar a polícia.

‘Cala a boa, sua puta’, disse um deles. Arrancaram as bolsas que levavam na cintura com passaporte e dinheiro, e cada um foi colocado no banco de trás de um dos carros estacionados. Paulo não teve sequer tempo de ver o que acontecia com a namorada – e tampouco ela sabia o que estava acontecendo com ele.

Ali estava um outro homem.

‘Coloque isso’, disse, estendendo para ele um capuz. ‘E deite no chão do carro.’

Paulo fez exatamente como ordenado. Seu cérebro já não reagia mais. O carro arrancou em alta velocidade. Ele gostaria de ter dito que sua família tinha dinheiro, que pagaria qualquer resgate, mas as palavras não saíram da sua boca.”

Livros ganham série na TV norte-americana

Foram seis meses de muitas conversas e análises até que Paulo Coelho, finalmente, aceitou. Três obras do escritor vão ser adaptadas para a TV nos Estados Unidos. A série será inspirada nos livros Brida (1990), O demônio e a srta. Prym (2000) e A bruxa de Portobello (2006).

Quem conseguiu ganhar o contrato com Paulo Freire foi uma associação entre a FremantleMedia North America, a Random House Studio e a Dancing Ledge Productions.  O contrato foi assinado no último dia 20, mas a série de 12 capítulos ainda não tem um título.

250 milhões

Esse seria o total de exemplares de livros vendidos no mundo por Paulo Coelho até o início deste ano. Não há um número oficial. Algumas fontes, como a Wikipédia, citam 350 milhões de livros vendidos. Os números também são desencontrados quando se trata de O Alquimista, sua obra mais popular. O best-seller teria atingido a marca de 80 milhões a 200 milhões de exemplares rodados, dependendo da fonte. Independentemente dos desencontros, Paulo Coelho é o escritor que mais vendeu livro no Brasil e um dos mais lidos no mundo. O Alquimista foi traduzido para mais de 80 idiomas.

“Nunca houve um autor mais prolífico, instigante e socialmente engajado como Paulo Coelho”, disse Dante Di Loreto, presidente da Scripted Entertainment, FremantleMedia North America, ao anunciar o acordo.

O detalhe que ajudou a convencer o escritor foi a proposta de adaptação das obras. A série não supõe a simples transposição da literatura para outra linguagem. As histórias serão baseadas nos personagens criados pelo escritor, mas os produtores terão toda a liberdade para não respeitarem os livros. Paulo Coelho gostou da ideia, pois considera que suas obras não vão bem com a simples transposição do papel para a tela.

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