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Glória Feita de Sangue: Kubrick e seu manifesto anti-guerra
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“Você vê aquela barata? Amanhã de manhã nós estaremos mortos e ela estará viva. Ela terá mais contato com minha mulher e filhos do que eu terei”

Cabo Philippe Paris, interpretado por Ralph Meeker, em Glória Feita de Sangue

Stanley Kubrick (1928-1999) deixou para todos nós um legado de arte e inspiração por meio do cinema que, infelizmente, resumiu-se a apenas 13 filmes. Podemos nos lamentar por não termos mais obras de Kubrick à disposição, mas talvez seja justamente o jeito meticuloso de dirigir e de fazer a pós-produção que tenha tornado o trabalho do diretor tão lento e, ao mesmo tempo, tão genial.

Quando falamos de Kubrick, logo nos surge à cabeça alguns títulos consagrados, como 2001 – Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968), O Iluminado (The Shining, 1980), Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971) e Spartacus (1960). Um de seus filmes mais tocantes, porém, normalmente passa despercebido do grande público, provavelmente por ser uma de suas primeiras produções. Trata-se do drama anti-guerra Glória Feita de Sangue (Paths of Glory, 1957).

Glória Feita de Sangue é baseado em um romance de Humphrey Cobb, sobre um episódio real da Primeira Guerra Mundial envolvendo o exército francês. Dois generais, em busca de holofotes, mandam um regimento de soldados em uma missão suicida, para tomar um forte sob comando dos alemães. O coronel do regimento, vivido por Kirk Douglas, leva a missão a cabo, bastante a contragosto, apenas para ver dezenas de seus homens serem dizimados. Em meio à batalha, vários soldados, temendo pela vida, recuam para seus postos ou se negam a sequer sair das trincheiras onde estão acampados.

Divulgação.
Glória Feita de Sangue: as manchas da guerras retratadas em preto e branco.

A partir daí, o filme de Kubrick transforma-se em um tenso drama de tribunal, que traz à tona as ações hipócritas e vergonhosas encabeçadas pela dupla de generais franceses. Três soldados do regimento, escolhidos a esmo (ou não), são levados a julgamento por “covardia”, para servirem de exemplo e bode expiatório para a missão fracassada. A pena: fuzilamento. O coronel interpretado por Kirk Douglas assume a defesa dos soldados, apesar das chances dos três escaparem da pena de morte serem mínimas.

Longe de mim querer entregar o que acontece com os pobres coitados. Apenas não espere nenhum final feliz ou edificante, à lá Steven Spielberg. Glória Feita de Sangue tem como papel justamente mostrar as atrocidades cometidas em qualquer guerra, que ocorrem fora do campo de batalha. E faz isso muito bem ao mostrar as diferentes reações dos soldados acusados, que, logicamente, são humanos e agem como tal diante da situação. A frase que inicia este post é proferida por um deles enquanto aguarda o momento da possível execução. É inevitável que torçamos por eles e soframos com eles.

No documentário A Life in Pictures (2001), sobre a vida e obra de Stanley Kubrick, Martin Scorsese faz um comentário simples e direto sobre Glória Feita de Sangue. “É impossível ver o filme e não chorar”, diz ele. Eu concordo. É um filme amargo, mas bem conduzido tecnicamente. Kubrick lança mão, nas cenas que antecedem e acompanham a missão suicida, de vários planos-sequência (quando não há cortes na cena), acompanhados de closes em preto e branco dos soldados, anestesiados pela proximidade da morte certa. E, mesmo assim, não há espaço para dramalhões ou sentimentalismo.

Por destacar o episódio vergonhoso envolvendo o julgamento dos soldados franceses, Glória Feita de Sangue foi banido da França durante quase 20 anos. Por outro lado, foi o filme que chamou a atenção dos executivos de Hollywood para Kubrick. Tanto que seu próximo filme foi o épico Spartacus (1960). Kirk Douglas, que produziu a obra, o contratou após o início das filmagens, no lugar do diretor Anthony Mann, despedido por Douglas.

Divulgação.
Os três soldados à beira da morte: no lugar e na hora errada.

Alguns últimos detalhes: Kubrick tinha apenas 28 anos quando dirigiu Glória Feita de Sangue. E foi durante o filme que ele conheceu sua mulher, Christiane, que o acompanharia fielmente até sua morte, aos 70 anos.

Glória Feita de Sangue foi lançado em DVD e bluray e é relativamente fácil de ser encontrado nas livrarias especializadas e sites. Vale procurar e assistir. Acredite, você ficará tão surpreso e emocionado como quando assistiu 2001 ou Laranja Mecânica pela primeira vez.

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Já assistiu Glória Feita de Sangue? O que achou do filme? Comente aqui no blog e aproveite pra falar quais são os seus filmes preferidos do Kubrick!

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