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A nossa educação não está crítica
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Ao abrir um site qualquer de notícias, este autor se depara com a seguinte manchete:

“Desemprego bate recorde histórico em fevereiro”

Sites de notícias, como jornais, colocam suas chamadas em letras garrafais, com conteúdo curto e direto. A diferença é que o conteúdo da notícia nos jornais está, geralmente, logo na sequência, enquanto na internet o conteúdo somente pode ser acessado se o leitor clicar no link da notícia. E aqui começamos a separar o leitor em diferentes camadas.

Existem os que podem ser chamados de leitores de manchetes. Estes cidadãos, independente da idade, escolaridade ou sexo irão rolar os olhos pelas chamadas das notícias, deixar seu raciocínio rápido se encarregar de registrar o que acabou de ler e partir para uma próxima chamada. Quando digo “existem”, é sugerido que mais pessoas apresentam esse costume:

– O desemprego está batendo recordes.
– Eu li algo a respeito.

Sim, ela leu uma chamada de uma notícia. Isso é trapaça, apesar da pessoa não se sentir trapaceando. Ela de fato se sente bem informada com a chamada de uma notícia que mal lembrava ter lido, mas está trapaceando o interlocutor e, acima de tudo, a ela mesma. Neste exemplo, o interlocutor também não leu toda a notícia. Logo, podemos antecipar que a conversa trilhará por rumos que não condizem com a veracidade da situação em questão, rumos que apontam para um cenário bastante negativo.

Em segundo plano, existem os que avançam um pouco mais e se dão o trabalho de ler o cabeçalho – ou gravata, como chamam os jornalistas – da notícia, os leitores de cabeçalho:

“Recorde é válido para medições do mês de fevereiro desde 2002”

Ora, isso muda bastante o contexto. O cenário já não é tão negativo. Uma pena se o leitor parar por aí, mais interessado nas notícias do esporte (assim como alguns leitores desta postagem).

Caso ele persevere, chegamos à terceira camada de leitores, aquela que de fato lê a notícia. Ao final da mesma, a seguinte informação: “Pesquisa realizada pelo Instituto X com a seguinte amostragem (…)”.

E aqui chega o grande momento. Aquele em que o já citado raciocínio crítico aflora. O momento em que o leitor irá se transformar em um leitor propriamente dito. Buscará informações em outras fontes e perceberá que elas abordam o mesmo assunto de diferentes ângulos, usando outros instrumentos de pesquisa. Mais que isso, o leitor irá pesquisar a respeito dos institutos de pesquisa, entender como eles funcionam, quem costuma usá-los e para qual finalidade. Finalmente, irá buscar opiniões a respeito da notícia para, enfim, compilar todas as informações coletadas e montar sua própria opinião.

Infelizmente o raciocínio crítico nem sempre é desenvolvido, instigado, e elevado a sua devida importância. Mídia, sala de aula, lar. Infância, adolescência, vida adulta; não temos uma educação crítica, assim como não somos formados a ter uma mente empreendedora. Aprendemos a interpretar textos, mas não somos desafiados a extrair nossas próprias opiniões a partir deles.

Isto é visível em um fórum de discussão qualquer, quando pessoas tendem a usar o senso crítico para apontar erros em interpretações alheias, quase nunca para desenvolver suas próprias teorias ou ideias. Disso são derivados outros péssimos hábitos, como o de não se pensar para responder. Hoje, toma-se como uma resposta inteligente aquela reposta rápida, sem tempo para ser elaborada uma estrutura, uma linha de raciocínio, sem questionamentos. E aqui quem escreve este texto toma a liberdade de encerrá-lo com uma frase esquecida, mas não menos verdadeira: estamos criando uma geração que sabe um pouco de quase tudo e tudo de quase nada.

Agora peço licença, pois vou ler a seção de esportes.


Sabino, quase um leitor de manchetes.

>> Gustavo Callado é membro da Mensa Brasil.

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