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A expansão do ensino superior nos últimos anos no Brasil é um fenômeno inegável. Seja no setor privado ou no público, o crescimento nas últimas duas décadas representa a transição de um modelo relativamente elitizado e de pouca cobertura para outro, no qual alunos de um perfil até então raro nas salas de aula passaram a frequentá-las em todo o Brasil. Essa expansão, ainda que não nos aproxime dos índices dos países vizinhos, é um inegável avanço do ponto de vista estrutural.

Essa pode ser considerada a parte boa da história. Quando abandonamos as estatísticas gerais do sistema e buscamos as causas e consequências das ações governamentais para o ensino superior, algumas distorções saltam aos olhos e acendem um sinal amarelo. A trapalhada mais gritante neste cenário talvez tenha sido as mudanças promovidas no FIES em 2010 e cujas recentes tentativas de ajuste geraram a condenação consensual da mídia. As mudanças no programa de financiamento estudantil revelam a velha vocação dos governos brasileiros (até os supostamente “comunistas”) em incentivar os lucros de determinados setores da economia e socializar os prejuízos que esse mesmo setor produz quando a torneira seca ou a maré muda.

As trapalhadas dificilmente acontecem por decisões isoladas. No caso do Fies, a combinação de três fatores produziu a distorção: primeiro, na concepção do programa, que prevê repasse de títulos públicos para as faculdades particulares, títulos esses que podem ser usados não apenas para pagar dívidas com impostos, mas que também são recomprados pelo governo periodicamente. Segundo e terceiro, nas decisões de diminuir a taxa de juros dos financiamentos para 3,4% ao ano e na elevação do teto de renda familiar dos beneficiados para 20 salários-mínimos.

Esse coquetel de bondades foi dado num cenário de inflação média de 6% ao ano e com o governo refinanciando sua dívida, via títulos públicos, a mais ou menos 12% ao ano. O resultado foi uma expansão brutal do número de contratos, gerados não necessariamente por novos alunos, mas também por matriculados que pagavam suas mensalidades sacrificando parte das finanças pessoais e que, de repente, poderiam financiar a perder de vista e com juros subsidiados o boleto de todo mês.

Ou seja, o governo estimulou um empréstimo a juro subsidiado e com alto risco de calote e não deu devida atenção às contrapartidas que alunos e instituições deveriam oferecer frente a uma dragagem de recursos públicos, e haja recursos: a dívida total dos quase dois milhões de contratos é estimada hoje em quase R$ 60 bilhões. Como comparação, o orçamento das três maiores universidades paulistas (USP, Unicamp e Unesp), que juntas são responsáveis por 40% da produção científica brasileira, tem juntas um orçamento de aproximadamente R$ 11 bilhões de reais/ano.

É claro que parte desse dinheiro voltará com o pagamento das parcelas por parte dos alunos, mas se não voltar o problema será de todo mundo, menos de um personagem: o dono da faculdade. Se o aluno não pagar ficará inadimplente, o governo aumentará o rombo e a sociedade precisará financiar esse rombo via impostos. Já o empresário e os acionistas dos grandes grupos educacionais não terão nada a ver com isso, pois foram remunerados à vista, eliminaram o risco e fizeram caixa. Essa mágica fez os gatos gordos do mercado tais como Kroton-Anhanguera, Estácio e Unip drenarem para seus cofres R$3 bilhões apenas no ano passado.

Ninguém nega a importância de estimular a expansão do ensino superior, pois nosso atraso é secular nessa área. Tampouco pode-se pensar que os investimentos do governo em educação devam ser baseados apenas em critérios econômicos, deixando de lado as questões técnicas, sociais e políticas da área. O problema começa quando os recursos e sua notória escassez são direcionados para a iniciativa privada sem critério, sem objetivo e sem contrapartida.

A gritaria vista na mídia nos últimos dias contra as restrições e ajustes realizados pelo ministro Janine Ribeiro talvez revele mais a insatisfação de um setor que, como poucos no mundo, cresceu a taxas chinesas e demonstrou, em grande medida, qualidade idem, do que propriamente o “fim de um sonho” por parte dos jovens. Do ponto de vista de política social, o FIES mostra ainda falhas persistentes, custa caro e dá um retorno muito pequeno à sociedade.

*Christiano Ferreira é historiador e atua há mais de 10 anos no Ensino Básico e Superior como docente e gestor educacional. Atualmente coordena o Projeto Tetear, da Parabolé Educação e Cultura, que leva oficinas de arte e educação para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social na Região Metropolitana de Curitiba. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.

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