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Para carregar debaixo do braço
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O que não falta para nós professores são vademécuns – aqueles documentos para carregar debaixo do braço. Vão do livro do Paulo Freire que modificou a nossa vida, e nos ajudou a não arredar o pé da sala de aula, ao último planejamento escolar e suas metas que beiram o impossível. Mas cá entre nós, mal não faria engavetar parte da papelada que nos curva as costas e substituí-la por um texto com sabor de pão quente que acaba de ser publicado. Chama-se Retratos da Leitura no Brasil, está disponível na internet e tem poder de fogo, como vem provando desde sua primeira edição, em 2001.

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O efeito dessa pesquisa – agora encabeçada pelo instituto Pró-Livro – é semelhante à provocada por outra, A cabeça do brasileiro, do sociólogo Alberto Carlos de Almeida. Explico. A gente diz a torto e direito que só a educação pode salvar o país. Pois Alberto Carlos mostra em tabelas e mais tabelas, reunidas com a ajuda de perguntas inteligentes e desconcertantes, que quanto mais educada uma pessoa, menos fatalista, sexista e dependente da tutela do Estado ela é.

Pois a gente também diz que o brasileiro não lê, ou que lê mal, que não frequenta bibliotecas e não avança na escolha dos títulos e que por isso mesmo nos engatamos pelas beiras feito gravetos de enchente. Retratos… confirma tudo isso e um pouco mais, oferecendo aqueles dados que sempre sonhamos e nem imaginávamos que um dia pudessem se tornar realidade.
Tanto incenso é para dizer que depois de Retratos… é possível ir além da conversa pessimista na hora dos cafezinhos e entender o bicho que deu nesse país de poucos leitores. A edição de 2012 confirma, por exemplo, que o leitor depende da mãe para se interessar pelos livros, como a gente não cansa de dizer. Mas mostra que de uns tempos para cá os leitores infantes e adolescentes estão à mercê cada vez mais dos professores.

Sabemos o que isso significa: há mais pais ausentes, engolidos pelo trabalho e pela dinâmica da cidade, negligenciando o trato de seus filhos com as letras. E mais alunos entregues aos braços da escola – que ela cuide mais disso. Como não se dá esse ponto se nó, Retratos… aponta diminuição nos índices de leitura de 2008, ano da última pesquisa, para cá. Teríamos perdido 5% de leitores. E passado de 4.7 livros por ano para 4 – o que tirando os livros didáticos, sobre quase nada.

É um bom assunto para os professores na hora de recreio, observando pelo vitrô petizada que corre no pátio, vendendo saúde.

A abstinência dos livros pode ser culpa dos pais, da leitura ainda escolarizada – ditando o que deve ser lido, em que ordem e seguido de uma ficha de leitura, não conseguindo nada mais do matar o leitor no ninho. Mas a diminuição pode ser resultado da concorrência cada vez mais acirrada. Exato, concorrência. Os brasileiros de todas as idades andam lendo muito – “leem” TV a Cabo, mensagens no celular, sites na internet. Leem a arquitetura de outdoors e vitrines oferecida pelas ruas. Leem e se leem nas mídias sociais.

Não chega a ser mal. A questão é que no meio disso tudo, têm de arrumar tempo e lugar para o livro – que acaba ficando para depois, pois à medida que a idade avança, e que os pais e professores influenciam menos, mais os livros parecem uma prática do século 19. Por que digo isso?

Por que nas entrelinhas a pesquisa Retratos… parece gritar no nosso ouvido se achamos ou não que ler romances, poesia, ensaios ainda é importante. E nos põe à parede para saber se nos alistamos na turma do tanto faz. Ou se estamos afinados com a galera que diz que toda forma de leitura vale a pena, subentendo não serem necessárias competências diferentes para cada uma delas.

É conversa afiada. Pode pautar parte da vida escolar daqui pra frente. Pode marcar o dia em que deixamos passar o debate mais importante da educação nos últimos tempos. Melhor ficarmos espertos: Retratos de Leitura debaixo do braço.

>> José Carlos Fernandes é jornalista, doutor em Literatura Brasileira, professor nos cursos de Jornalismo da PUCPR e UFPR.

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