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(Foto: Brunno Covello/Gazeta do Povo)
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(Foto: Brunno Covello/Gazeta do Povo)

(Foto: Brunno Covello/Gazeta do Povo)

Foi há dois anos. Levei um susto quando ouvi o educador português José Pacheco – o Zé da Escola da Ponte – maldizer as férias escolares. Pensei ter escutado mal. Mas ele reforçou: era contra os meses em que as portas das escolas se fecham, o que deixou boquiaberta a plateia para a qual discursava – um teatro lotado de… professores.

A fúria do palestrante mirava uma das instituições brasileiras intocáveis, epicentro em torno do qual a vida de milhares se organiza, tema de milhares e milhares de redações “Minhas férias”, responsável pela alta na venda de picolés durante o verão. Sem falar das melhoras que traz ao trânsito.

Aquele homem pequeno e de olhos desconfortavelmente fora do prumo já tinha acabado com as divisórias entre as classes, dado fim aos programas de aprendizagem, eliminou os limites idade-série – para citar algumas inovações de sua mundialmente conhecida Escola da Ponte, na região do Porto, em Portugal. E agora lançava um tiro de misericórdia contra o sacrossanto descanso dos alunos e dos professores.

Não demorou a se justificar, disse que: em regiões muito carentes, a escola é o único lugar possível para os alunos – é onde comem, onde convivem, onde estão protegidos. Ali praticam esportes e são acompanhados por adultos que merecem esse nome. Se ficam fechadas dois meses, ora, em dois meses o pior pode acontecer. Logo, melhor não fechá-las. Raciocínio perfeito.

Antes que uma pergunta viesse à queima-roupa, adiantou-se em adivinhar o que pensava a audiência. Se a escola fica aberta o tempo todo – pois essa é a natureza da escola, nunca fechar – o professor não pode tirar férias? E pronto, estaria declarada a Terceira Guerra Mundial. Que nada. Como para Pacheco não faz o menor sentido a expressão “primeiro semestre”, um professor pode tirar férias em maio, outro em outubro. Só não pode é todo mundo se mandar em dezembro, janeiro, fevereiro…

É uma proposta difícil. Imagino que sofreria imensa resistência caso alguém decidisse levá-la adiante. Se é verdade que o hábito é uma segunda natureza, as férias escolares estão grudadas à nossa pele. Mas faz o maior sentido. Ou pelo menos faz sentido na perspectiva da Escola da Ponte – uma proposta pedagógica que rompeu com todas as condicionantes possíveis e imagináveis.

Lembro-me o belíssimo trabalho feito pela jornalista Erika Kingl, vencedora do Prêmio Tim Lopes da Rede Andi – a Agência Nacional dos Direitos da Infância. Em meados dos anos 2000, Erika cruzou uma pilha de dados sobre pobreza, evasão escolar e exploração sexual. Chegou às cidades brasileiras em que a soma dessas desgraças era mais desastrosa do que o normal. Depois garimpou casos de crianças vitimizadas e apontou, história por história, quem falhou para que aquilo tudo acontecesse.

Na maioria das situações, falhou a família, falhou o conselho tutelar, falhou o poder público, mas falhou também a escola – que estava fechada, em especial nas cidades praianas, onde a exploração sexual é maior. Num mundo perfeito, poderiam – com uma simples mudança na escala de férias – ter impedido que o destino de meninas e meninos fosse menos traumatizante. OK – dirão alguns que a escola não pode resolver os problemas do mundo. Ou que a escola existe para cultivar, repassar, perpetuar o conhecimento, e não para sarar as chagas sociais brasileiras. Essa conversa já deu flor, como diziam os antigos. Sabemos que é uma meia verdade. O ensino não tem como fazer de conta que não é com ele. E isso inclui enfrentar que os meses que ficamos longe dos alunos são um desserviço a eles, logo não podem ser um direito nosso.

>> José Carlos Fernandes é jornalista da Gazeta do Povo e professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná – UFPR. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.

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