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Quando entrei na Universidade, no início dos anos 80, os veteranos prepararam um banho de lama e tinta e enfiaram os calouros em sacos de estopa para que eles desfilassem, imundos, diante dos mais velhos que xingavam e humilhavam. Muitos daqueles jovens ainda traziam no rosto o resto da alegria e da emoção e da vitória e ali deparavam-se com a realidade dura da ignorância e da brutalidade: aqueles menos jovens, já desiludidos com a Universidade, não permitiriam tanta felicidade.

Um desses infelizes acrescentou cal à tinta e vários calouros da minha futura turma de advogados foi para o hospital com queimaduras que deixaram cicatrizes para toda a vida. Nunca se soube quem praticou esse crime na faculdade de Direito. Os crimes dos trotes ocorrem por geração espontânea.

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Considero o trote nas universidades  uma das excrescências mais bárbaras e inexplicáveis de nossa sociedade violenta. Quase sempre praticada por veteranos incapazes, carregados de dependências, desiludidos e incompetentes, esses vermes sociais tornam as primeiras semanas do ano escolar nas universidades – as públicas, em particular –  o único espaço de satisfação ( sádica e mórbida) do que deveria ser a construção sólida de uma formação para o futuro deles e do país.

Os calouros – as calouras principalmente – sofrem e aceitam. Mas não era para ser assim, Não poderia ser assim. É inadmissível que seja assim. A entrada na Universidade deveria ser marcada pela elogio e pela congratulação, pela apresentação das possibilidades de crescimento intelectual e profissional, pela integração pelo saber e pelo companheirismo, pela interação cidadã e pela camaradagem, pelo desvelamento dos problemas e pela descrição das virtudes da instituição.

Mas o que há é o sarro, as brincadeiras de mau gosto, os vexames, as humilhações e, no limite, as agressões. Em alguns cursos, o “trote” dura semanas, fonte garantida de recursos para os veteranos “tomarem béra e zoarem da calourada”. Mas quem deu a esses pulhas esse direito? Por que o MEC, o reitor, os diretores, os coordenadores, os professores não fazem nada? Por que grassa, mais uma vez, a impunidade nos campi, como microcosmo maligno da sociedade brasileira?

Não fui ao meu trote por circunstâncias que nem me lembro. Escapei dessa humilhação premeditada pelos veteranos que depois ainda tinham a desfaçatez de dizerem ser “colegas”. Como na miopia social e racial desse país triste, o melhor era aceitar sem reclamar. E ser um “bom” calouro até que eles se cansem e tudo volte a andar normal.  Pulhas!

 

 

 

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