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Debussy em 1908. Foto de Nadar
Debussy em 1908. Foto de Nadar| Foto:

Um legado excepcional

O legado de Claude Debussy (1865-1918), cujo centenário de falecimento acontece no final deste mês, é gigantesco. Assim como Beethoven influenciou a maioria dos compositores do século XIX, quase nenhum compositor do século XX e mesmo do século XXI deixou de ser influenciado por Claude Debussy. E isto não só no terreno da música clássica. Muitos compositores populares e de jazz (e mesmo da Bossa Nova) seguiram as trilhas das soluções encontradas pelo compositor francês. Exemplo flagrante disso pode ser constatado ouvindo o solo de piano do grande jazzista Bill Evans (1929-1980) chamado “In memory of his father”, obra em homenagem a seu recém falecido pai, que ele apresentou em 1966. Ecos de diversas obras para piano de Debussy (Images, Estampes) são facilmente identificáveis neste solo. Em um estilo bem diverso, nas últimas composições de Pierre Boulez, especialmente “Sur incises” (1998), é impossível não lembrar dos “ostinatos” e das harmonias pedal do mestre falecido há cem anos. O primeiro a perceber esta influência enorme de Debussy foi o compositor russo Igor Stravinsky (1882-1971), ele próprio muito influenciado pelo mestre francês, que afirmou já em 1919, que somente alguns compositores alemães se distanciaram da influência de Debussy. Estou certo que obras como “A sagração da primavera” e “Petrushka” não existiriam se Stravinsky, a partir de 1910, não conhecesse a obra de Debussy. Realmente a lista de compositores influenciados pelo compositor francês é enorme: além de Stravinsky, Ravel, Puccini, Bartók, Messiaen, Varése, De Falla, Villa-Lobos, Ligeti (via Bartók), Boulez, Takemitsu, Saariaho, George Benjamin (estes dois últimos ainda vivos) temos os músicos de jazz Django Reinhardt, Dizzie Gillespie, Charlie Parker, Thelonius Monk e o já citado Bill Evans. Sem dúvida é uma das maiores influências da criação musical em toda a história da música.

Debussy: o emancipador da consonância

“Prelúdio à tarde de um fauno” de Debussy coreografado por Nijinsky

Assim como normalmente se diz que o compositor austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951) emancipou a dissonância eu diria que Debussy emancipou a consonância. Abrindo mão das funções tradicionais da harmonia ocidental e estendendo sua atenção para outras culturas (os gamelões da Indonésia, a escala pentatônica chinesa) e adotando novas escalas (a de tons inteiros e a octatônica), além dos modos antigos (dórico, frígio, lídio, mixolídio) o “som” de Debussy mostra-se altamente original. Sem abrir mão de uma nota de referência em cada obra e pondo pouca fé no atonalismo a música de Debussy parece mesmo não envelhecer. E quando falo da “música de Debussy” me refiro também à sua refinada arte de orquestração (“La mer”, “Images”) e à sua maneira original de escrever para piano (Prelúdios, Estudos, “Images”, “Estampes”). Mas há outro elemento especial: a sensação de improviso. Diferente de seu contemporâneo Maurice Ravel, que deixa tudo muito especificado em suas geniais composições, Debussy, em diversas obras, dá um ar de que está experimentando, improvisando, sobretudo no início da composição. É o caso, por exemplo, do solo de flauta no início do “Prelúdio para a Tarde de um fauno” (Prélude à l’après-midi d’un faune), obra de 1894 baseada na écloga de Mallarmé “A tarde de um fauno”, e que muitos (inclusive Pierre Boulez) identificam com o surgimento da música do século XX. Esta flauta desacompanhada parece mesmo estar inventando na hora a doce e misteriosa melodia. E este ar de improvisação não acontece somente nesta obra do autor: poderia citar dezenas de outras composições do mestre com esta mesma sensação de “improviso”. Se Debussy emancipa a consonância ele também emancipa a forma musical. No seu confronto à maneira alemã de se organizar a forma (especialmente a forma sonata, que experimenta uma única vez em seu Quarteto de cordas) Debussy abrirá as possibilidades formais ao infinito. Prova disso é a partitura de seu ballet “Jogos” (Jeux”) de 1913, o equivalente formal à revolução rítmica de Stravinsky. Debussy parece mesmo ser um ar novo na arte musical que teima em não envelhecer. É ainda um homem dos nossos dias. 100 anos depois de sua morte não é difícil afirmar que o legado de Debussy permanece vivo.

Exemplos: Bill Evans – Solo “In Memory of his father” . Debussy: o inventor do jazz?

O som dos Gamelões da Indonésia. Pagodes, primeira parte da suíte Estampes (1903). Sviatoslav Richter

A primeira grande orquestração de Debussy: Prelúdio para a Tarde de um fauno

Pierre Boulez : Sur incises para três pianos, três harpas e três percussionistas. A presença de Debussy décadas depois de sua morte

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