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Maura Moreira. Primeira cantora lírica negra brasileira
Maura Moreira. Primeira cantora lírica negra brasileira| Foto:
José Maurício Nunes Garcia: o primeiro grande compositor brasileiro era negro

José Maurício Nunes Garcia: o primeiro grande compositor brasileiro era negro

Consciência negra

O dia 20 de novembro marca a homenagem que o Brasil faz aos afrodescendentes e é ao mesmo tempo uma espécie de mea-culpa frente a um dos capítulos mais vergonhosos da nossa história. Vergonhoso pelo fato de que a escravidão causou dor, morte, vergonha, e algo que existe até hoje, a segregação. É muito comum citarmos os campos de extermínio comandado pelos nazistas, mas poucos brasileiros sabem, por exemplo, algo sobre o Cais do Valongo no Rio de Janeiro, um dos lugares onde algumas das maiores atrocidades foram cometidas ao longo de décadas em nosso país, local de martírio e morte de diversos negros cativos recém-chegados. No aspecto musical, que é o assunto deste blog, faço aqui minha homenagem a grandes músicos negros e brasileiros que souberam superar esta herança maldita de sua origem.

Anacleto de Medeiros: grande músico

Anacleto de Medeiros: grande músico

O preconceito e a segregação na nossa história da música

Um nome pouco conhecido para a maioria dos brasileiros é o de José Maurício Nunes Garcia (1767-1830). Foi nosso primeiro grande compositor. Era mulato, filho de “escravos forros”, e com pouca idade apresentava um talento musical incomum. Para completar seus estudos musicais fez-se padre, e foi saudado na chegada de D. João ao Brasil em 1808 com o título de “Mestre da Capela Real”. Mas o preconceito contra ele aparece de forma escamoteada na corte portuguesa, que no momento estava no Rio de Janeiro, apontando a sua cor de pele como um “defeito visível”. Logo é substituído pelo português Marcos Portugal (1762-1830), e só voltou a ter certo prestígio quando chegou também ao Brasil o compositor austríaco Sigismund Neukomm (1778-1858), e tornou bem clara sua admiração pelo brasileiro. Sempre visto como um “bom músico negro” não escapou de uma morte em meio a uma grande miséria. Ele não foi o único grande compositor de nosso período colonial a ser descendente de escravos. O maior compositor mineiro do mesmo período colonial, Lobo de Mesquita (1746-1805), era também filho de negros. Com a escravidão sendo apoiada por diversos setores da economia brasileira, e cujas perversidades eram confortavelmente ignoradas pela Igreja, temos uma ausência bem suspeita de negros em nossa vida musical. Com a abolição, em 1888, a coisa não ficou muito diferente. Foi somente no início do período republicano que um nome de um negro emerge desta situação preconceituosa. Foi o do maestro e compositor Anacleto de Medeiros (1866-1907). Sua cor (também era negro) o barrou de reger óperas ou concertos, mas foi um genial maestro de bandas, e a qualidade de seu trabalho era tamanha que costuma-se dizer que a sua atuação neste setor foi decisiva. É dele a melodia que Villa-Lobos utilizou em seu grandioso Choros Nº 10 (Rasga o coração). Muita gente pensa que a melodia usada é de Catulo da Paixão Cearense, mas este foi apenas o autor da letra da melodia.

Maura Moreira. Primeira cantora lírica negra brasileira

Maura Moreira. Primeira cantora lírica negra brasileira

A primeira grande cantora lírica negra brasileira

Não pretendo aqui ser exaustivo sobre o assunto, mas vou me referir agora a uma grande artista negra brasileira que se retirou daqui justamente por ter experimentado na Alemanha um reconhecimento que nunca poderia ter vivido no Brasil dos meados do século XX. Falo de um nome quase desconhecido entre nós: Maura Moreira. Sei muito pouco de sua história, e nem sei se ainda está entre nós. Quando criança assisti uma inesquecível versão das “Canções das crianças mortas” de Gustav Mahler com ela em São Paulo, e me arrisquei a trocar algumas palavras com a cantora. Nasceu em Minas Gerais onde estudou canto e matérias teóricas. No Rio de Janeiro frequentou os cursos da Pró Arte em 1957, o que lhe valeu o convite de estudar em Viena. Durante muitas décadas ela foi cantora estável da ópera de Colônia na Alemanha e gravou para o selo Vox algumas das mais importantes obras para a voz de Contralto. Entre suas gravações mais elogiadas encontram-se as Wesendonck Lieder de Wagner e a Rapsódia para Contralto coro masculino e orquestra de Brahms. Mesmo não tendo reconhecimento no Brasil Maura Moreira ficava chocada com a miséria de seu país natal, que ela constatava em suas viagens anuais ao Brasil. Em 1984, fundou, com alguns amigos, a sociedade Humanitas, com o objetivo de facilitar a organização das ações caritativas, e enviou toneladas de roupas e alimentos para o Brasil, o mesmo Brasil que a discriminou. Não podemos esquecer que Maura Moreira foi embora do Brasil em 1957, e que em 1955 cantava pela primeira vez no Metropolitan Opera de Nova York uma cantora negra: Marian Anderson (1897-1993). Se o preconceito racial era escancarado por lá, a coisa era mais disfarçada por aqui. Mas o que importa é que o preconceito existia e ainda existe, e no caso dos negros este preconceito é duplamente injusto. Injusto pela segregação, e injusto pela exploração. Exploração que não cessa, sobretudo pelos salários menores, a menor chance de emprego, e a consequente volta á segregação. Mas os exemplos que citei podem ser uma razão para acreditar que a luta pode levar á superação.

Gravações relacionadas ao texto

José Maurício Nunes Garcia – Domine tu mihi lavas pedes na bela interpretação do grupo Caliope

Anacleto de Medeiros em uma gravação de 1907 – Iara. Tema que Villa-Lobos utilizará em seu Choros Nº 10

Maura Moreira interpreta “Schmerzen” (Dores) das Wesendonck Lieder de Wagner

Maura Moreira interpreta uma canção de Villa-Lobos

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