O argentino Jorge Mario Bergoglio, O Papa Francisco, é o primeiro Papa nascido no continente americano, o primeiro pontífice não europeu em mais de 1200 anos e também o primeiro papa jesuíta da história. Além de tantas novidades ele não para de nos surpreender com opiniões ousadas e gestos impensáveis para um sumo pontífice. Uma Igreja que anteriormente renegava casais vindos de um divórcio, gays, e que tinha uma visão bastante estreita sobre o criacionismo, assume um ar bem mais tolerante nos gestos e na prática de seu mandatário. Nas últimas semanas até mesmo os animais mereceram uma menção esperançosa do sumo sacerdote, e na reunião que teve com a Cúria Romana na semana passada acusou frontalmente os velhos e renitentes sacerdotes que administram o Vaticano de terem ”Alzheimer espiritual”, “terrorismo de fofocas”, “esquizofrenia existencial”, “exibicionismo mundano”, “narcisismo falso” e “rivalidades e vanglória”. Enfim, a carismática imagem do atual Papa, nos surpreende quase que semanalmente com seus gestos e palavras.
Mozart, no lugar do tradicional Canto Gregoriano
Na última Missa do Galo, a tradicional cerimônia na noite do dia 24 de dezembro, o Papa Francisco nos surpreendeu de novo. Por sua escolha foi colocada no meio da tradicional celebração o “Et incarnatus est” da missa em dó menor de Mozart. O texto do “Et icarnatus est” fala diretamente sobre o que deveria ser comemorado no natal, e que passa ignorado pela maioria das pessoas: o nascimento de Jesus.
Eis o texto em latim:
Et incarnatus est de Spiritu Sancto,
Ex Maria Virgine: et homo factus est.
E em português:
E encarnou pelo poder do Espírito Santo,
Nascendo da Virgem Maria: e fez-se homem.
Tal inserção é uma absoluta novidade nesta tradicional liturgia. O Canto Gregoriano cedeu então espaço para uma das mais geniais concepções musicais focadas no nascimento de Jesus.
Mozart e o dogma cristão
Esta ária para soprano e orquestra faz parte de uma das mais importantes obras sacras de Mozart, a Missa em Dó menor IK 427, que assim como o seu famoso Requiem permanece inacabada. Não pela morte do autor, mas por algum motivo misterioso ele não compôs mais da metade do Credo e nem a parte final da missa, o Agnus Dei. Esta ária, que foi executada na missa do galo, é para soprano coloratura, o que, ao que parece, era o registro vocal da esposa de Mozart.
O Papa com certeza sabe que este trecho da Missa em dó menor tem uma estreita relação com o mistério deste dogma que diz que Deus se fez Homem. Por isso Mozart coloca a voz do soprano junto a três instrumentos de sopro solo (Flauta, oboé e fagote), realizando uma verdadeira alquimia sonora. A voz do soprano se funde aos solos instrumentais, assim como Deus se fundiu entre os seres humanos. O sentido é claro, e a perspicácia do Papa é considerável. E que alegria ouvir aquela divina música e ver ao mesmo tempo aquelas grandes realizações artísticas encontradas na Basílica de São Pedro como o baldaquino de Bernini e dentro daquele grande projeto arquitetônico que teve como um dos responsáveis Michelangelo. Durante toda a execução da obra de Mozart, por mais de 8 minutos, o papa, visivelmente cansado, ficou de joelhos. Vê-lo concentrado ouvindo esta obra foi outra imagem sensacional junto a esta divina composição musical.
A sabedoria do Papa
Quem a interpretou foi a cantora israelense Chen Reiss, e quem regeu foi o maestro austríaco Manfred Honeck. Quem tocou foram membros da Orchestra dell’Accademia Nazionale di Santa Cecilia de Roma. 24 horas antes da missa o papa foi avisado que a cantora era judia. A resposta foi digna deste grande Homem: “Nada contra, afinal a Virgem Maria também era judia”.
Vídeo
Eis o Credo completo da última Missa do Galo. Aos dois minutos começa a ária de Mozart
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