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Debussy fotografado por Félix Nadar
Debussy fotografado por Félix Nadar| Foto:
Debussy fotografado por Félix Nadar

Debussy fotografado por Félix Nadar

Este é o último texto que tenta responder a questão: quais foram os compositores mais influentes da história da música? No primeiro texto falei da idade média, no segundo da Renascença, no terceiro o caso Bach, no quarto falei do Romantismo musical, e neste último texto falo do século XX. Sem as bobagens de listas dos “maiores”, “mais amados”, “preferidos”. Ao invés de questionáveis questões subjetivas os fatos históricos.

Debussy – compositor essencial da modernidade

Depois da derrota da França na guerra Franco – Prussiana de 1870 havia entre os compositores franceses uma tentativa de escapar da hegemonia alemã (Beethoven, Wagner, Brahms). O mais fanático dos inimigos da arte alemã propôs alternativas geniais à maneira alemã de se pensar harmônica e formalmente: Claude Debussy (1862-1918). Influenciado por autores russos, sobretudo Modest Mussorgsky (1839-1881), e por seus compatriotas como Erik Satie (1866-1925) e Gabriel Fauré (1845-1924), Debussy vai fazer extenso uso de escalas exóticas (pentatônica e hexatônica) e modais, e colocará de lado aquilo que chamamos de “função tonal”. A harmonia, em Debussy, tem uma vida independente da melodia, e esta inovação do autor fará com que sua influência aconteça em diversos campos da música. Seria impossível, por exemplo, o nacionalismo musical de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), de Bela Bartók (1881-1945) e de Manuel De Falla (1876-1946) sem este descolamento entre harmonia e melodia, e com o uso das escalas típicas de cada povo. Além disso Debussy influenciará o jazz, que também o influenciou, e mesmo movimentos de música popular brasileira, como a bossa nova, utilizam procedimentos consagrado pelo compositor francês. Do ponto de vista formal Debussy vira as costas para os procedimentos alemães. Em toda a produção do compositor existe apenas uma (!) forma sonata: o primeiro movimento de seu Quarteto de cordas em sol menor. Ao invés de formas consagradas, a cada composição Debussy cria uma forma nova. Seu Ballet “Jeux”, de 1913, é a obra mais radical, do ponto de vista formal, da primeira metade do século XX. Do ponto de vista pianístico Debussy fará também uma revolução: o toque francês, muito por sua causa, será totalmente diferente, menos agressivo, mais sutil. E do ponto de vista orquestral, Debussy reinventa o som dos instrumentos. O “Prelúdio à tarde de um fauno”, baseado em um poema de Mallarmé, escrito em 1894, marcará data em termos de sutilezas, ausência de sons agressivos, novas maneiras de se tocar instrumentos de cordas. Na minha opinião “La mer” (O mar), de 1905, é a mais importante obra orquestral da primeira década do século XX.
Para se ter uma noção mais precisa da influência de Debussy basta ver o que se passou quando o compositor Igor Stravinsky (1882-1971) conheceu de perto o autor e sua obra. Ao chegar em Paris em 1910 o compositor russo conquistou um imenso sucesso com seu ballet “O pássaro de fogo”, obra que deixa claro o aprendizado quase que local do autor. Não há dúvida de que Stravinsky já era genial em sua chegada à França, mas em apenas um ano Stravinsky já depura os sons que conheceu de Debussy e três anos depois utiliza de maneira pessoal de forma absolutamente brilhante, todas as técnicas “debussystas” em seu ballet “A sagração da primavera”. Quem se debruça sobre esta genial partitura descobrirá escalas hexatônicas, escalas modais, harmonias não funcionais. O próprio Stravinsky fala disso em seus diálogos com seu assistente Robert Craft. Stravinsky, decididamente, será o principal potencializador da influência de Debussy. Mas não o único. A influência de Debussy é sentida em todo o século XX, tanto no Jazz de Keith Jarrett e Chick Corea quanto nas obras orquestrais de Giorgy Ligeti (1923-1906).

Schoenberg fotografado por Man Ray

Schoenberg fotografado por Man Ray

Schoenberg – outros ares na música ocidental

Arnold Schoenberg (1874-1951) se considerava herdeiro de toda uma tradição musical alemã. Nascido em Viena e praticamente autodidata, conhecerá em profundidade toda a produção musical que ele julgava indispensável: Bach, Haydn, Mozart, Beethoven, Schubert, Schumann, Brahms, Wagner, Richard Strauss, Max Reger e Mahler. Sua primeira obra importante, “Verklärte Nacht” (“Noite transfigurada”) de 1899, pensada originalmente para sexteto de cordas é uma genial união da música de câmera de Brahms, e do drama musical de Wagner. Intoxicado pelo ultrarromantismo ele usa uma harmonia de tal forma cromática que o leva a escrever obras sem tonalidade. Seu Quarteto de cordas Nº 2 opus 10, além de utilizar um sopranos junto aos instrumentos, utiliza em seu último movimento uma extensa passagem, como dizemos, “atonal”. E este atonalismo será utilizado de forma integral e suas Três peças para piano opus 11 de 1909. O som de suas obras causará estranheza no público, mas chamará a atenção de artistas como o pintor Wassily Kandinsky (1866-1944) que fará uma associação entre o atonalismo na música com o abstracionismo na pintura. Este paralelo é reforçado por uma extensa correspondência entre os dois artistas. Entre 1908 e 1912 Schoenberg será o mais radical compositor europeu, e sua obra Pierrot Lunaire opus 21 chamará a atenção de grandes músicos como Igor Stravinsky e Maurice Ravel. Durante quase dez anos Schoenberg não apresenta nenhuma composição, e em 1923 anuncia a criação de um novo sistema musical: o serialismo. Ao “equacionar” uma música sem tonalidade e impor regras que dispõem sobre a sequência das 12 notas, o assim chamado dodecafonismo, a obra de Schoenberg torna-se muito comentada, estudada e ao mesmo tempo pouco tocada. Na minha visão, diversas obras primas de Schoenberg em sua fase serial como sua ópera Moses und Aron, a Suíte opus 25 para piano, os Concertos para piano e violino e as Variações para orquestra opus 31, são grandes obras não pelo sistema inventado, mas pela coerência e beleza estética que apresentam.Mas é inegável que o sistema está lá.
A robusta influência de Schoenberg começa a se fazer sentir por seus mais famosos discípulos, Alban Berg (1885-1935) e Anton Webern (1883-1945). Suas obras, com caráter bem pessoal, serão atonais e posteriormente seriais. Berg imprime cores românticas no serialismo e Webern radicaliza ainda mais o pensamento serial. Depois da segunda guerra mundial, Schoenberg, vivendo nos Estados Unidos, torna-se a referência para todos aqueles que buscavam orientação em obras proibidas pelos nazistas. Sua obra será vital para jovens compositores como Pierre Boulez (nascido em 1925) e Karlheinz Stockhausen (1928-2007) e mesmo Igor Stravinsky, um crítico do compositor austríaco, passará a compor no sistema serial a partir de 1952.
Se o serialismo nos parece algo um pouco datado, o atonalismo é uma faceta muito importante da música ocidental do século XX e mesmo do século XXI. Se o atonalismo de compositores como Ligeti e Lutosławski (1913-1994) parecem um pouco alheios da obra de Schoenberg derivam dele também. Assim como nem toda a pintura atual é abstrata, nem toda a música composta nos últimos 100 anos é atonal. Mas quando o atonalismo surge, e ele é bem presente até hoje, o nome de Arnold Schoenberg e sua imensa influência nos vem à mente.

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