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Organizações da Sociedade Civil podem implantar remuneração variável aos seus empregados?
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Em tempos de profissionalização do Terceiro Setor, fruto do seu amadurecimento legislativo e institucional, um dos desafios que se impõe é a formação e a retenção de uma equipe competente e motivada. E uma das ferramentas para que isso aconteça, sem sombra de dúvidas, é a remuneração adequada desta equipe.

Embora desafiador, notadamente pelo cenário de escassez de recursos que normalmente ronda a grande maioria das Organizações da Sociedade Civil, algumas instituições têm adotado formas de remuneração usualmente encontradas no ambiente empresarial, dentre as quais a chamada remuneração variável. A dúvida é: é possível criar regime de remuneração variável no Terceiro Setor?

Comecemos com a afirmação óbvia de que não há dúvidas quanto à possibilidade de a entidade contratar empregados para as funções necessárias ao exercício de suas atividades. A remuneração destes empregados deverá seguir as regras trabalhistas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e demais normas aplicáveis. E as normas trabalhistas, em geral, permitem a remuneração dos empregados pelas empresas através de parcelas variáveis, o que costuma ser utilizado para incentivar os empregados.

Normalmente estas parcelas variáveis recebem formatos intitulados de gratificações, bonificações ou prêmios, e estão vinculadas à produtividade do empregado e da própria empresa. Não é nossa intenção discutir as formalidades trabalhistas destas verbas – se agregam ou não ao salário para fins de incidência dos encargos trabalhistas e previdenciários, por exemplo –, mas sim questionar a possibilidade de Organizações da Sociedade Civil instituírem projetos de remuneração variável.

Este tema é de interesse corrente para estas organizações, que se vêem em situação de extrema insegurança jurídica para a sua implantação e assim, agindo de forma conservadora, deixam de fazê-lo. Embora algumas instituições se utilizem desta ferramenta, não há consenso quanto à sua possibilidade.

Entendemos que é possível às Organizações da Sociedade Civil a criação de programas de remuneração variável, adotadas cautelas de modo a resguardar as suas características de entidade sem fins lucrativos.

E a premissa para esta conclusão parte da análise do artigo 7º, XI, da Constituição Federal, que estatui como direito dos trabalhadores a “participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação da gestão da empresa, conforme definido em lei”.

Regulamentando o dispositivo constitucional foi promulgada a Lei n.º 10.101, de 19 de dezembro de 2000, dispondo justamente sobre a participação dos trabalhadores nos lucros e resultados das empresas. Embora alguns defenda que esta lei não se aplica às Organizações da Sociedade Civil, como a Constituição Federal (artigo 7º, XI) atribui à participação nos lucros e resultados a condição de direito fundamental dos trabalhadores, sem qualquer distinção quanto aos trabalhadores das empresas ou das entidades sem fins lucrativos, não cabe à lei reguladora deste dispositivo constitucional o discrímen.

Isso não significa, todavia, que a participação nos lucros e resultados se aplica indistintamente às empresas e às entidades sem fins lucrativos.

A uma porque, como já visto, a natureza jurídica das entidades sem fins lucrativos pressupõe a não distribuição de lucros (melhor dizendo, superavit). Havendo superavit no desempenho de suas atividades, as entidades sem fins lucrativos devem reinvestir este saldo em seus objetivos institucionais, não podendo distribui-lo a quem quer que seja. Impossível, assim, a criação de regime de participação nos lucros pelas entidades do Terceiro Setor. Não há o que impeça, no entanto, a criação de plano de participação nos resultados aos seus empregados; aliás, como forma de garantir a aplicação do dispositivo constitucional, legitima-se à toda evidência esta possibilidade.

Isto porque os conceitos de lucro e resultado não podem ser tidos como sinônimos. A própria lei, ao mencionar os lucros e os resultados, indica que são conceitos distintos. Pode-se dizer que enquanto o lucro é a diferença financeira positiva decorrente das atividades da empresa (lucro) ou da entidade (superavit), o resultado diz respeito ao alcance de metas relacionadas aos objetivos institucionais da entidade não relacionadas ao conceito contábil. Metas de produtividade, de impacto social, de qualidade, de engajamento de voluntários, entre diversos outros critérios podem ser levados em consideração para justificar um programa de participação dos empregados de Organizações da Sociedade Civil nos resultados.

Há que se destacar, no entanto, que as cautelas a serem adotadas pelas instituições do Terceiro Setor na implantação de um programa de distribuição dos resultados, em comparação às empresas, devem ser maiores.

Em primeiro lugar, assim como as empresas, as organizações sem fins lucrativos deverão observar os requisitos da Lei n.° 10.101/2000 para implementar um Programa de Participação nos Resultados.

Neste sentido, a instituição deverá promover a negociação do referido Programa com os seus empregados através da instituição de uma Comissão em que tenha a participação de um representante indicado pelo sindicato da categoria, ou ainda através de Convenção ou Acordo Coletivo. O instrumento escolhido de comum acordo para esta negociação deverá conter toda a descrição do Programa, especialmente em relação aos métodos objetivos de aferição dos resultados em comparação com as metas estipuladas de acordo com índices de produtividade, qualidade, impacto social, etc.

Este documento deverá ser arquivado junto ao Sindicato representante dos trabalhadores, vedando-se a previsão de pagamentos em periodicidade inferior a seis meses, portanto proibido o pagamento por mais de duas vezes ao ano.

Além destas exigências legais, as organizações sem fins lucrativos deverão adotar cautelas na fixação dos resultados, considerando a objetiva realidade institucional pregressa para encontrar metas reais que não sejam questionadas por entes de fiscalização.

Entendemos, assim, que desde que observadas rigorosamente as regras previstas na Lei n.º 10.101/2000, bem como adotadas todas as cautelas jurídico-contábeis-administrativas para a preservação da sua condição peculiar, não há proibição à instalação de programa de participação dos empregados nos resultados de entidades sem fins lucrativos. Isto não significa, de forma alguma, um cheque em branco à implantação deste tipo de programa, tampouco a afirmação de que tal iniciativa não possa ser questionada, já que o tema ainda carece de consolidação.

 

*Artigo escrito pelo advogado Leandro Marins de Souza, Doutor em Direito do Estado pela USP, sócio do escritório Marins de Souza, Leal e Olivari Advogados (www.marinsdesouza.adv.br), especializado em Terceiro Setor, parceiro e colaborador voluntário do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável.

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