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Curitiba precisa de contaminação cultural
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Desde que o prefeito Gustavo Fruet foi eleito, a política cultural que se deseja para os próximos anos em Curitiba vem sendo muito discutida. Os tópicos são diversos: revisão da lei de incentivo, recuperação ou construção de equipamentos culturais, destinação de 1% do orçamento para a Fundação Cultural de Curitiba, abertura de concurso público, concessões de equipamentos são alguns dos itens que vem dominando a pauta do setor nas últimas semanas.

Gilberto Yamamoto/Gazeta do Povo
Não tenha dúvidas Fruet: A cultura de Curitiba precisa ser um elemento de desenvolvimento econômico de nossa cidade.

São questões de ordem prática e que fazem todo o sentido uma vez que no campo cultural o Brasil é muito atípico. Certamente é o único país do mundo que criou mecanismos de financiamento à cultura sem possuir uma regulamentação para o setor ou sequer um plano de cultura. O modelo se repetiu em diversas cidades e estados, onde havia a necessidade de investimentos em cultura, mas ninguém sabia exatamente como começar. Nasceram assim diversas leis de incentivo pra financiar as atividades, algo que muito contribui para a profissionalização do setor, mas que parece transferir alguns deveres que são do estado.

O resultado desta história é o constante questionamento destes mecanismos. A todo o instante há quem tente corrigir o incorrigível: a falta de vontade dos governantes em manter em pé uma política cultural concreta e menos paliativa. Afinal aquilo que mais falta, depois de investimentos diretos, é uma gestão que saiba administrar o financiamento à cultura, seja ele direto ou indireto e mantenha também uma política de estado.

Política cultural é baseada em três pilares: regulamentação do setor, gestão de equipamentos culturais e financiamento público ou privado. No Brasil, as leis de incentivo, que são um modelo de financiamento público indireto com participação do setor privado, acabaram por competir com o primeiro pilar, afinal é ela quem vem definindo há muito tempo o quê deve ser financiado. Assim, o investimento vem recaindo muito mais na produção cultural e muito menos na gestão, promoção e distribuição cultural. Tal fato é comprovado quando verificamos a existência de equipamentos culturais que não funcionam como deveriam e o crescente número de produtos culturais que não despertam demanda, mesmo quando oferecidos gratuitamente.

O Brasil sofre muito com isso. Há mais recursos disponíveis tramite lei de incentivo do que em investimentos diretos por parte do Ministério da Cultura. Em Curitiba não é diferente e isso gera um grande mal estar: não há dinheiro para manter espaços públicos, mas projetos são financiados com recursos das leis. Mesmo assim alguns com dificuldades de captação.

O mercado cultural, por sua vez, é baseado em outro tripé: artistas (produção), público (demanda) e instituições (reguladores). Enquanto os artistas mantém uma relação cada qual com seu público de referência, cabe às instituições administrar tais relações. Funciona como um triângulo que deve ser, de preferência, equilátero. Quando isso acontece pode-se afirmar que há um sistema cultural perfeitamente harmônico. Os espaços culturais do sistema S tentam funcionar desta forma. Outros, mantidos por bancos por exemplo, atuam em rede promovendo a circulação e a distribuição cultural em importantes cidades brasileiras.

A Fundação Cultural de Curitiba deveria ter fundamentalmente esta função: colocar os artistas em contato com o público. Mesmo que não diretamente, a FCC pode organizar as relações culturais entre a oferta e demanda cultural em Curitiba coletando os dados da cultura e investindo os recursos de forma mais eficiente possível. De certa forma ela consegue isso quando viabiliza os grandes eventos em Curitiba. A Oficina de Música e a Virada Cultural funcionam bem porque ocorrem de forma sazonal. São projetos onde há fases de planejamento, execução, controle e medição dos resultados. O problema maior se dá ao longo do ano, quando a gestão da cultura acontece na forma de processo. Em economia quando um processo não é eficiente ele tende a ser mais custoso.

Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Portão Cultural: porteiro e bilheteiro do cinema e do teatro são a mesma pessoa.

Caberá ao próximo gestor da FCC ser habilidoso portanto na tarefa de revisão da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, afinal ela é um poderoso instrumento de investimento cultural. Através do financiamento indireto, mais conhecido como Mecenato, ela possibilita que diversos agentes possam dar sua contribuição na seleção daquilo que a cidade produz. O Mecenato auxilia ainda para aumentar a demanda por cultura aproximando artistas e público. Atua, portanto diretamente no mercado cultural.

Na outra ponta, através do financiamento direto, o Fundo Municipal, existem muitos mecanismos para premiar e fomentar a excelência artística de nossa cidade, medindo resultados e garantindo acesso aos bens e serviços culturais por parte de uma população menos favorecida.

Em ambos os casos a lei obriga o poder executivo a destinar 2% da receita de ISS e IPTU em projetos culturais, ou seja: garante os investimentos para o setor. Não há dúvida de que é um pilar importante, porém se tratam de dois modelos complementares. Não são concorrentes e eliminar qualquer um dos dois mecanismos seria um grande retrocesso.

Fica evidente que o grande desafio diz respeito aos outros dois pilares que devem ser repensados. O primeiro deles trata-se da regulamentação o que passa obrigatoriamente pela elaboração de um plano de cultura para o futuro. O que é cultura na Curitiba de hoje e o que queremos para 20 ou 30 anos? O outro pilar é o fortalecimento não só da própria instituição FCC, mas de todos os equipamentos culturais existentes na cidade. Sejam eles, públicos, privados ou concedidos. Cada uma destas instituições deverá enxergar na FCC a líder de um processo de transformação cultural deixando o isolamento para passar a atuar em uma grande rede municipal de cultura, criando e promovendo novos hábitos de consumo cultural.

Imagem: Divulgação/Ippuc
O novo Cine Passeio também vai precisar de uma gestão eficiente.

Mas se realmente queremos preparar Curitiba para o futuro temos que aproximar atividades culturais de desenvolvimento econômico. Afinal qual é a vocação econômica de Curitiba para os próximos anos? Curitiba foi e ainda é reconhecida pela sua arquitetura e modernidade porque sempre houve criatividade em suas soluções urbanísticas. Criatividade da nossa gente. E se for esta a nossa vocação para o futuro? Então ao contrário do que apostam alguns, a densidade política de quem estará à frente da transformação cultural na cidade será infinitamente maior.

Somente uma visão alinhada com políticas transversais que coloquem a cultura frente a frente com áreas estratégicas como mobilidade, turismo, meio ambiente e principalmente, educação permitirão a geração de um ativo importantíssimo na era da economia e das cidades criativas: a contaminação cultural de valores e ideias. Isso fará com que Curitiba saia da categoria de uma cidade com oferta cultural doméstica e passe a um conceito muito mais amplo de cidade culturalmente alargada que dialoga com o Brasil e o mundo exportando a sua produção criativa e cultural.

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