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Após o almoço de domingo de Páscoa, enquanto degustava um soberbo Château D’Yquem 2008, fresquíssimo, doce, ultrarrefinado e estimulante, fiquei pensando por que será que existe o arraigado preconceito contra os vinhos doces. Tudo bem, o Yquem, produzido na região de Sauternes, em Bordeaux, é o mais célebre dos vinhos brancos doces do mundo Obrigatório em qualquer lista dos seis melhores, incluindo os secos. Bom, nem todos os doces são como ele, mas há uma infinidade de grandes vinhos doces. Não resolve o problema.

Por outro lado, a doçura em si, em maior ou menor grau conforme o tipo de vinho, é um atributo essencial a todo grande vinho, mesmo que dito “seco”. Os melhores tintos secos que já provei na vida tem um fundo doce. Afinal, vinho é feito de uva e, como toda fruta, se estiver bem madura, deve ser doce. E sem uva bem amadurecida não tem um grande vinho. Até nos tintos mais taninosos, com o tempo, as moléculas de tanino se alongam. Com isso desaparece a sensação de adstringência e surge a de doçura. Diz-se que o tempo afina o vinho. O adocicado, portanto, não é defeito, mas qualidade dos melhores vinhos.

Mas aí é que surge o problema. O Yquem despertou minha atenção. Justamente pelo fato do sabor adocicado ser muito atraente, é fácil vender vinhos… Doces. Então, aparecem aquelas coisas horríveis, os monstros, com açúcar demais, xaroposos, desequilibrados, chochos, perfumadões, produzidos muitas vezes até sem uvas, ou com uvas péssimas, verdes e duras, com adições de açúcar e outras práticas menos ortodoxas… Os abusos comerciais e as más práticas conspurcam o mercado e, depois, a ira dos consumidores volta-se contra o alvo errado: o vinho doce em geral. Quando o alvo certo deveria ser o mau produtor e os abusos comerciais, muitas vezes associados a certas modas: lembram-se dos vinhos de garrafa azul? Quem apanhou por tabela foram os grandes vinhos alemães de colheita tardia – Spätlese, Auslese, Trockenbeerenauslese, Eiswein. Soberbos, os grandes rivais do Yquem e dos melhores Sauternes, a excelente custo-benefício, infinidade de notas acima dos 93 pontos. E todos lhes torcem o nariz …

Nem pensar mais no dito de que vinho doce é coisa de mulher. Além de tudo, é ridículo. Deixe de lado o preconceito, os bons vinhos doces são uma bebida extraordinária. Mesmo se pensar em dietas de baixas calorias. Uma prática que cada vez mais utilizo é levar à risca o termo “vinho de sobremesa” e trocar o doce pelo vinho doce ao final da refeição. Nem precisa ser Yquem 2008.

RÓTULOS – eu indico um vinho doce e um seco.

Brancos Late Harvest às cegas

Os brancos de colheita tardia são vi­­nhos doces e encantadores. Tam­bém co­­nhecidos como late harvest ou vendage tardive, são classificados como vinhos de sobremesa. Mas também acompanham comida, aperitivos, coquetéis. Perfeitos ainda com patês, terrines, foie gras, crustáceos e alguns preparados de carnes brancas.

Quando bem feitos, não tem nada de pesado, nem de melado, nem de xaroposo, nem de perfumes exagerados. São vinhos acariciantes, suaves, profundos, ricos e encantadores. É di­­fícil estabelecer quando e onde se originaram. Os mais antigos conhecidos são os alemães do Reno e os Tokaji, da Hun­gria. Os últimos deram origem ao mais famosos de todos do gênero, os Sauternes/Barsac, de Bordeaux.

São elaborados com uvas brancas, de diversas castas, colhidas tardiamente, mais concentradas de açúcar. Muitas vezes os cachos são atacados pelo fungo Botrytis cinerea. Como o mosto tem muito açúcar, ao chegar próximo aos 15 graus de álcool, a fermentação estanca e o açúcar natural das uvas remanescentes torna a bebida mais doce. A paragem da fermentação é, muitas vezes, também obtida pelo esfriamento do mosto para perto de 0 grau C.

Neste mês, convidamos Jussara Voss e Ana Teresa Londres, ambas blogueiras e integrantes de confrarias de vi­nhos em Curitiba, para provarmos às cegas nove exemplares, do Chile e Argentina. A seguir, os seis campeões. Devem ser apreciados mais frios, por volta dos 5 a 8 graus C. A prova foi realizada na Trattoria Boulevard –La Cocina.

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