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Nikkei é uma palavra de origem japonesa. Significa descendente de japoneses. É co­­mo são conhecidos, dentro da comunidade ou "colônias japonesas" os filhos, netos e bisnetos de japoneses que imigraram para as Américas. Eu, portanto, sou nikkei, ou seja, descendente de japoneses de cidadania brasileira.

Há pouco tempo estive num congresso científico, em Brasília e ouvi da jornalista norte-americana Lori Lei Matsukawa histórias sobre os campos de concentração de japoneses e seus descendentes durante a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, os nikkei passaram por experiência semelhante, com o episódio da "evacuação do litoral". Os imigrantes foram transladados do litoral brasileiro para o interior do país, por decreto governamental. Eram considerados uma ameaça social, o "perigo amarelo", como bem retratou a historiadora paranaense Elena Shizuno no livro Bandeirantes do Oriente ou o Perigo Amarelo.

Esta história não é conhecida pelo público que vai a festas folclóricas japonesas – os "matsuris" – onde se dança, canta, come e bebe. Os "matsuris" tem se tornado um ponto de encontro para vários grupos que gostam da cultura japonesa. Mas a história da resistência de uma tradição cultural é o que sustenta a comemoração. Em 2008 mais que os cem anos de imigração dos japoneses ao Brasil a comunidade nipo-brasileira comemorou 100 anos de resistência cultural.

Pois, ao desembarcarem no Brasil, apesar de apoiados pelo governo japonês e brasileiro, os imigrantes eram hostilizados pelos formadores de opinião do país. E para reverter a imagem negativa – do asiático como uma ameaça social, impossível de se assimilar à cultura nacional – foi necessário mover uma batalha de pelo menos 50 anos.

Os imigrantes e seus filhos lutaram a seu modo: trabalhando e cantando. Trabalhando, colocaram os filhos e netos em universidades para que "falassem a mesma língua" das elites que os hostilizavam. Também criaram associações – os nihonjinkai – com o propósito de preservar a língua japonesa. Nessas associações se encenavam peças de teatro, faziam-se projeções de filmes (os primeiros filmes japoneses projetados no Brasil foram trazidos por imigrantes), treinava-se haiku (haicai), odori (danças), minyo (cantos folcóricos) e enka (canções populares), ikebana, kendô, beisebol e outras atividades artísticas e esportivas, que representavam a expressão cultural japonesa.

Com tempo, o que era exclusivamente japonês se tornou nikkei – uma cultura que inclui a mestiçagem com as nacionalidades imigrantes. Os matsuris são a ampliação dos encontros das famílias japonesas nos nihonjinkai. Para estimular a expansão da cultura japonesa entre os jovens, o Ministério da Educação, Cultura e Esporte do Governo do Japão tem investido recursos de políticas culturais para desenvolver atividades relacionadas ao animê(animação e mangá) e ao taiko. Esse apoio tem mudado a cara dos matsuris, atraindo os jovens para a cultura japonesa. Quem não tem descendência japonesa tem se interessado em aprender as danças, a música e também a língua japonesa.

Lori Matsukawa destacou, em sua palestra que: quando o governo norte-americano prendeu os filhos de japoneses durante a Segunda Guerra não teve consciência que estava cerceando direitos civis de cidadãos americanos. E teve que fazer uma retratação pública reconhecendo seu erro, durante o governo do presidente Ronald Reagan.

O governo brasileiro não chegou a cometer crimes contra cidadãos brasileiros cujos pais ou avós eram japoneses. Porém, faria bem em reconhecer publicamente a ação do Estado na interdição de uma herança cultural, quando se fecharam escolas japonesas e proibiram associações e reuniões para usar a língua japonesa. Apesar da interdição, os japoneses resistiram. E o resultado, hoje, é o "memai (vertigem) que causa a cultura japonesa dentro da cultura brasileira.

* Marilia Kubota é jornalista e escritora, editora do Jornal Memai – Letras e Artes Japonesas, mestranda em Estudos Literários pela UFPR e organizadora da antologia Retratos Japoneses no Brasil – Literatura Mestiça(Annablumme, 2010). Escreve no blogue micropolis (www.micropolis.blogspot.com)

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