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Aos 69 anos, Paul McCartney revisita músicas românticas com arranjos leves e cheios de frescor | Mary McCartney/Divulgação
Aos 69 anos, Paul McCartney revisita músicas românticas com arranjos leves e cheios de frescor| Foto: Mary McCartney/Divulgação

Legado

Furacão Etta James

Muitos dos fãs de cantoras contemporâneas, como as nostálgicas Adele e Amy Winehouse, e até mesmo da rebolante Beyoncé, provavelmente nunca ouviram falar de Etta James (foto 2), que morreu em janeiro passado, aos 72 anos. Uma pena. Mas não é tarde para redescobrir o legado dessa grande intérprete que transitou entre o blues, o jazz, o gospel e a grande canção norte-americana.

A vida pessoal bastante tumultuada de Etta foi retratada pelo filme Cadillac Records, de 2008, no qual Beyoncé Knowles tenta passar o verdadeiro furacão existencial e artístico que ela foi em vida. Para conhecer melhor seu trabalho, no entanto, um bom começo é o álbum At Last (Universal Music), que reúne seus grandes sucessos, como a faixa-titulo, "Tell Mamma" e "I’d Rather Go Blind", em leituras arrebatadas, como era seu estilo.

  • Etta James: uma das grandes divas do século 20

Em "Silly Love Songs", hit do álbum Wings at the Speed of Sound, de 1976, Paul McCartney, então líder e vocalista da banda Wings, fundada com sua mulher, Linda, canta: "Algumas pessoas querem preencher o mundo com canções de amor tolas/ E o que há de errado com isso?". Pelo tom irônico da música, o ex-beatle parecia tentar rebater críticas de seus detratores, que o acusavam de, ao contrário do engajado e politizado John Lennon, ser trivial e pop demais, o que, à época, significava ser reacionário.

Passadas mais de quatro décadas desde o fim do quarteto de Liverpool, McCartney não é mais visto como o conformista marqueteiro que gravou canções radiofônicas com Michael Jackson ("Say, Say, Say") e Stevie Wonder ("Ebony and Ivory"), traindo regularmente suas raízes roqueiras. Felizmente, foi a ortodoxia dessa retórica que acabou ficando ultrapassada e cafona. O mundo da música mudou.

Talvez por isso que Kisses on the Bottom, novo álbum de Paul, faça tanto sentido, apesar de não ser um disco de pop-rock. Se em 1975 John Lennon sentiu a necessidade de gravar Like Rock ‘n’ Roll, que reúne músicas de fundadores do gênero, como Chuck Berry, Fats Domino, Buddy Holly e Little Richard, McCartney decidiu fazer uma viagem mais longa ao passado. Quis revisitar standards da canção norte-americana que ouviu quando criança, na casa dos pais.

Produzido com elegância por Tommy DiPluma, o novo álbum de Paul é uma delícia com certo sabor de excentricidade, e talvez por conta desse caráter extravagante, se torne tão encantador aos ouvidos de quem esteja a escutar essa prospecção em forma de disco das raízes musicais do ex-beatle.

Os arranjos rítmicos da canadense Diana Krall, que toca piano na maioria das faixas, dão ao disco uma leveza e um frescor muito bem-vindos, coerentes com o espírito lúdico do projeto, que não pretende, em mo­­­mento algum, vender McCartney como um jazz singer. Além de integrantes da banda da cantora e pianista, mulher do também britânico Elvis Costello, bate cartão no disco o guitarrista John Pizzarelli, que também entra nesse jogo de suavidade, dando ao seu instrumento ares havaianos.

O título Kisses on the Bottom, que em português poderia ser traduzido como "Beijos no Traseiro", é retirado da letra da música que abre o álbum, "I’m Gonna Sit Right Down and Write Myself a Letter", de Fats Waller. Nessa canção, McCartney evoca, com a voz quase sussurada, um mundo mais romântico, no qual amantes apaixonados trocavam cartas e não e-mails ou mensagens pelo MSN.

Do musical Gatinhas e Gatões (1955), de Joseph L. Mankiewicz, estrelado por Marlon Brando e Frank Si­­natra, Paul gravou "More I Cannot Wish You", envolto pelo belo arranjo orquestral assinado por Johnny Mandel, que trabalhou com Sinatra.

Outro ponto alto do dis­­­­­­­co é "It’s Only a Paper Moon", que transborda ironia em relação à artificialidade do mundo glamouroso da Broadway ("É apenas uma lua de papel/ Flutuando sobre um mar de papelão").

McCartney reservou lugar para duas composições originais suas, que seguem o estilo do restante do repertório. No rastro de "My Funny Valentine", que não está no disco, o ex-beatle escreveu "My Valentine", que conta com a luxuosa participação de Eric Clapton no violão acústico. Já na emocionante balada "Only Our Hearts", Paul reencontra Stevie Wonder, aquele mesmo da criticada "Ebony and Ivory", que toca, lindamente, sua harmônica, provando, mais uma vez, que "canções de amor tolas" são necessárias – e eternas.

GGGG

Serviço: Kisses on the Bottom. Paul MCartney. Universal Music. Preço médio: R$ 29,90.

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