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Guita Soifer refletida na própria obra: “Não deixa eu aparecer muito na foto, tá?” | Priscila Forone / Gazeta do Povo
Guita Soifer refletida na própria obra: “Não deixa eu aparecer muito na foto, tá?”| Foto: Priscila Forone / Gazeta do Povo
  • Série de livros feitos pela artista plástica com materiais inusitados

"Sabe que eu tive sorte? Eu chamo isso de sorte." É assim que uma das artistas plásticas mais importantes do Paraná, Guita Soifer, explica como começou a pintar. Nascida na Curitiba de 1935, Guita teve contato com a arte ainda menina, por meio de uma professora austríaca que morava na cidade e dava aulas de desenho e pintura. "Lá eu fazia muitas cópias. Com o passar dos anos, vi que eu copiava os melhores do mundo. Copiava os bons." Passou a criar seus próprios rostos, paisagens e anseios. Nunca mais parou.

Inquieta, a artista plástica dedicou dez anos de sua carreira à gravura. Além das aulas de desenho e pintura, não frequentou faculdade de artes, mas ia atrás dos melhores mestres da cidade. Teve lições de desenho com o pintor Calderari, trabalhou com a gravurista e pintora Uiara Bartira e frequentou vários cursos do Museu Alfredo Andersen. "Se você tem o desejo, a arte lhe absorve muito. E uma coisa leva a outra. Uma indicação de um livro de arte leva a outro de filosofia e os caminhos que você vai preenchendo se tornam muito ricos."

Apesar de uma vida toda dedicada ao ofício e de já ter exposto em diversos países, desde o Japão até a Polônia, Guita diz que necessita e conta muito com curadores que possam dar um aval ao seu trabalho para se sentir segura. "Gosto de trabalhar com pessoas exigentes, que realmente me digam se está bom ou ruim. É difícil achar um parceiro, preciso de alguém muito crítico. Senão, se você mostra para alguém muito complacente, nunca vai saber." Mesmo assim, diz que o primeiro sentimento que deve tomar o artista é o encantamento com o próprio trabalho. "Isso já é uma grande coisa. Porque no fundo, a arte é nossa."

Andando pelo seu ateliê, no bairro do Batel, a artista se pergunta como vai guardar tanto material que virá de uma exposição na Casa da Memória, que acabara de ser desmontada. Sente saudades do seu espaço antigo, um galpão na Rua José Loureiro, do qual ela teve de se desfazer. "Lá era um espaço muito louco, em um estacionamento. Tinha uma casa velha, um jardim. O lugar me permitia sonhar. Agora esse aqui [um apartamento] é mais organizadinho... e ateliê não é assim."

Gosta de retratar o humano e a memória em seus trabalhos. "Não é algo muito original, todo mundo fala disso." Inquieta, fala rápido e vai explicando todas as obras do seu ateliê: "Aqui, eu usei espelho, é tentar se ver, o duplo que todos nós somos". Guita explica empolgada sobre uma série de gravuras que expôs em Berlim, sobre o Holocausto. "Sou judia e quis fazer um trabalho, mas não panfletário. O pensamento era falar que o ser humano, que discrimina muito fácil o outro, discriminou numa dimensão incompreensivelmente violenta naquela época. Foram seis milhões de mortos! Foi um estudo para acontecer aquela destruição humana, tudo escolhido. Mas, se virmos o mundo hoje, a África, enfim, tudo. A discriminação continua, né?"

Casada com o empresário Salomão Soifer, não se sente confortável falando sobre a vida pessoal. "Não fala muito sobre a minha vidinha, viu?" Ela se limita a dizer que tem oito netos e quatro bisnetos. Também não gosta de falar da idade. Aos 76 anos, diz que o número de anos vividos "é bastante, mas é bom" e que hoje todo mundo quer "entender muito" o que é ter idade. "Há um preconceito, como se fosse algo qualitativo. Tanto em relação a alguém muito novo e competente quanto a alguém que tem tanta idade."

Experimentos

Xerox, fotografia, filmes captados com imagens da cidade que lhe agradam e livros com materiais inusitados são alguns experimentos de Guita. Sua paixão mais recente é pelo iPad, ou melhor, "Ai péde", diz ela, com o melhor sotaque curitibano. Há cerca de um ano, o marido pediu que um parente trouxesse o aparelho para ela do exterior. Apaixonou-se pelos aplicativos de pintura e pelas intervenções que pode fazer em suas fotos – mas só o usa para trabalhar. "Nem sei mexer em outras coisas dele. Aliás, nem em computador sei tão bem. Comprei um novo de mesa esses tempos. Mas aquilo me dá um baile!" Se irrita ao não conseguir voltar rapidamente para outro menu do aparelho, já que ganhou uma nova versão há poucos meses. "Dei o antigo pra minha neta, que tava de olho nele. Vou propor para ela de eu pegar o meu velho e ela ficar com esse. Não consigo apagar aqui, tá vendo? Me irrita muito essa minha in­­competência."

Guita salva separadamente no iPad as séries de desenhos que faz, com títulos como "Sonharei", "Vamos Brincar", "Fosco" e "Ar", que, segundo ela, é uma palavra que a acompanhou muito no seu outro ateliê, e que ela considera difícil de retratar, por ser algo totalmente abstrato. "Senta aqui do meu lado pra você ver melhor. Antes disso, assinem alguma coisa aqui nesse livrinho, que eu gosto muito." Ela mantém uma espécie de caderno de visitas em seu ateliê, onde as pessoas lhe escrevem mensagens junto com o telefone e o e-mail. "É uma boa lembrança, gosto de olhar depois. Esse aqui (mostra outro livro) são de crianças, é um trabalho que fiz na Biblioteca Pública. Muito legal."

Desafio

Numa das "séries iPad" que ela intitulou Mulheres, Guita desenhou vários rostos femininos, repletos de cores fortes. Não satisfeita, decidiu colocar o iPad em frente a uma panela de alumínio, que refletia a imagem e, ao mesmo tempo, fez imagens com a filmadora. "Fiz umas mulheres muito loucas, peguei a mais alocada e experimentei isso. Tudo vira um desafio. Ficou muito interessante o material, mas nem sei o que vou fazer com isso."

Guita fica intrigada com a possibilidade de poder fazer no iPad uma pintura, uma gravura ou uma fotografia. "Você faz de novo, repinta. Se eu não gosto, desloco pra outro lado. Aí me pergunto: se for pra ficar igual a pintura, por que não pinto? Você percebe que esse mundo digital é muito louco! Mas então é isso. Não sei para onde essa história do Ipad vai. Quando eu souber, eu lhe conto."

Serviço

Saiba mais sobre a artista, no site: www.guitasoifer.com.br

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