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Freud e a mãe, Amalie: “Eu não tinha liberdade de morrer enquanto ela estivesse viva” | Fotos: Reprodução/Editora Record
Freud e a mãe, Amalie: “Eu não tinha liberdade de morrer enquanto ela estivesse viva”| Foto: Fotos: Reprodução/Editora Record

Apóstolas

Depois de se analisarem com ele, as amigas e discípulas de Freud se tornariam analistas e propagadoras da nova técnica terapêutica, verdadeiras apóstolas do Mestre. As mais notáveis foram:

Lou Andreas-Salomé (1861-1937)

Alemã nascida na Rússia, ganhou fama como femme fatale, a quem foram atribuídos casos com o filósofo Nietzsche, o poeta Rilke e o próprio Freud, Wagner e Tolstoi. Para Freud, era "uma mulher destituída da maioria das fraquezas humanas, de uma inteligência perigosa e notável". O lema desta protofeminista era "Ouse tudo".

Helene Deutsch (1884-1982)

Austríaca naturalizada americana, socialista e feminista, foi uma pioneira da psicologia feminina e do estudo da frigidez. Freud a definia como "a primeira mulher moderna".

Marie Bonaparte (1882-1962)

Francesa, sobrinha-bisneta de Napoleão, Princesa da Grécia e da Dinamarca, neta do fundador do Cassino de Monte Carlo, colocou o dinheiro da família em prol de causas como a psicanálise. Procurou Freud para tratar-se de frigidez e o ajudou a fugir da Áustria nazista para a Inglaterra. Freud escreveu que era "mulher realmente extraordinária, mais do que simplesmente semimasculina". Tornou-se uma das principais difusoras da psicanálise na França.

  • O psicanalista e a filha caçula, Anna, que seria a fiel guardiã de seu legado

Rio de Janeiro - "A grande indagação que nunca foi respondida e que não fui ainda capaz de responder, apesar de meus 30 anos de pesquisa da alma feminina, é: ‘Afinal, o que querem as mulheres?’."

A pergunta que não quer calar — feita por Sigmund Freud no início do século 20 — é o tema central do livro As Mulheres de Freud, de Lisa Appignanesi e John Forrester, que a Record acaba de lançar no Brasil. Segundo os autores, ambos ingleses, "as mulheres — parentes, amigas ou pacientes — seriam para ele guias, e muito mais, ao longo de sua vida".

No prefácio à edição de 2005, Lisa (romancista e escritora) e John (Professor de História e Filosofia da Ciência) afirmam que "a figura do psicoterapeuta é uma das grandes invenções sociotecnológicas do século 20". Com 726 páginas, o livro mostra o impacto sobre Freud das mulheres do seu contexto familiar; das primeiras pacientes, "as famosas histéricas do fim do século 19, natural e historicamente destinadas a ser suas parceiras na criação da psicanálise"; e, das "mulheres distintas e singulares que se tornaram as primeiras analistas no círculo de Freud."

A obra também redime Freud das acusações de ser um patriarca conservador, um misógino e um machista, que veria como principal função da mulher servir à reprodução da espécie.

Como foi a relação de Freud com a mãe? Segundo os autores, "ao longo da vida, Freud oscilou entre reconhecer a mãe como ponto central da existência humana e passar por ela em silêncio". Objetivamente, pouco se sabe. "O sigilo que ronda o relacionamento de Freud com sua mãe assemelha-se ao que cerca sua vida sexual conjugal."

Amalie, a mãe de Sigismund (na adolescência encurtou o nome para Sigmund), foi a terceira mulher de Jakob Freud, que trouxe dois filhos do primeiro casamento. "Quando criança, Freud ficava tão ou mais perplexo em casa com a presença de dois irmãos da mesma idade de sua mãe e que pareciam candidatos mais adequados ao papel de pai do que o verdadeiro pai de todos eles. Tanto do lado feminino quanto do masculino, o garoto tinha poucas certezas nas quais se apoiar: não admira que tenha se identificado com Édipo, o decifrador de enigmas."

Freud sempre foi um filho dedicado e, no fim da vida, visitava a mãe todo domingo. Quando ela morreu aos 95 anos, em 1930, Freud escreveu a um amigo psicanalista: "Eu não tinha liberdade de morrer enquanto ela estivesse viva, e agora tenho". Freud sobreviveria somente nove anos à mãe.

Freud casou aos 30 anos com Martha Bernays, em 1886. Não casou virgem, mas suas experiências sexuais anteriores ao casamento foram com "profissionais" e esparsas. Pouco depois de conhecer Martha (cinco anos mais moça), em abril de 1882, Freud mandou-lhe uma rosa vermelha. "A primeira conversa em particular foi numa caminhada ao ar livre em 31 de maio. Em 15 de junho, Freud escreveu a ela a primeira do que seriam milhares de cartas de amor; a resposta dela foi ‘um suave aperto de mão sob a mesa’. Dois dias depois, ele a pediu em casamento; eles ficaram noivos de forma secreta e extraoficial — Freud acreditava que um estudante sem meios e de visões firmemente não religiosas seria inaceitável para a família da moça.

Em 1912 — com 26 anos de vida conjugal — numa carta ao futuro genro, Freud dava um balanço do seu casamento: "Eu realmente me dei muito bem com minha mulher; sou-lhe grato, acima de tudo, por suas numerosas e nobres qualidades, pelos filhos, todos tão bons, e pelo fato de que ela não foi muito anormal nem adoeceu com muita frequência".

Martha, em carta a uma neta, no fim dos anos 1940, escrevia: "Durante 53 anos fui casada com seu avô e nunca houve um olhar áspero ou uma conversa desagradável entre nós". A única rixa em mais de meio século de casamento foi uma discussão sobre a maneira correta de cozinhar cogumelos...

No espaço de oito anos — entre 1887 e 1895 —, Martha teve seis filhos, três homens e três mulheres. O grande apego de Freud seria por Anna, a caçula, que ele tentaria analisar, tarefa que dividiria depois com Lou-Andreas Salome. Anna não se casaria e manteria por mais de 50 anos uma sólida amizade com a americana Dorothy Burlingham que, por sua influência, se dedicaria à terapia de crianças.

Os autores comentam: "As duas mulheres, unidas depois da morte de Freud no que podia ser efetivamente considerado um ‘casamento de Boston’, complementavam-se. Não é certo que Anna, com seu ascetismo austero, e Dorothy, com seu medo e reserva, tenham tido um envolvimento sexual". Até sua morte, em 1982, aos 86 anos, Anna — além de construir uma obra própria na área da psicanálise infantil — foi a fiel zeladora do legado de Freud, participando ativamente da Edição Standard dos textos psicanalíticos do pai.

O rumor mais intenso que cerca a vida sexual de Freud é a relação com a cunhada, Minna Bernays. Depois da morte do noivo, ela trabalhou por algum tempo como governanta e dama de companhia; prestou ajuda à irmã nos nascimentos sucessivos dos seis filhos de Martha e acabou ficando: "Minna tinha 34 anos quando se instalou na casa dos Freud e estava resignada, havia muito tempo, com a perspectiva de nunca se casar". Segundo Appignanesi-Forrester: "Enquanto Martha era pequena e delicada, ‘espirituosa porém muito raramente ferina’, Minna era grande, imponente, autoconfiante, enérgica e cheia de opiniões". Freud a chamou certa vez de "minha confidente mais próxima".

Segundo o pesquisador Peter Swales, que acreditava na existência de um caso entre Freud e a cunhada, foi na época de seu envolvimento com Minna, pelo final do século 19, que ele adotou o cenário orientalesco do seu consultório, com tapetes e um divã otomano: "Em seu estado mental, Freud adotou um conhecido aforisma turco: ‘Baldiz, baldan tatlidir’/’A irmã da esposa é mais doce que o mel’. Com o tempo, Freud criaria para si um harém de facto — Martha, Minna, Emma, Fanny, Marie, Helene, Lou, Anna etc. —, com o divã imperial figurando como seu próprio princípio organizador".

As primeiras pacientes tiveram um papel fundamental na vida e no pensamento de Freud. Bertha Pappenheim (1859-1936), conhecida como Anna O., foi a primeira de todas, e seu tratamento de histeria envolveu hipnose e a chamada "cura falada" (conceito desenvolvido por ela mesma), que se tornaria a base da terapia freudiana. Anna von Lieben, baronesa von Todesco (1847-1900) — codinome Cäcilie M. — tinha 41 anos, nove a mais que Freud, quando começou a se tratar com ele. Mas foi com ela que aprendeu o processo de "conversão histérica", associado a um processo de simbolização. Segundo os autores, "parece inevitável que Anna tenha sido uma das pacientes a pôr Freud no caminho da sexualidade".

Fanny Moser (1848-1924) — codinome Emmy von N. — foi o primeiro caso clínico de Freud, em que as anotações "não apenas forneçam um quadro completo do tratamento, mas se distinguam pela qualidade literária e não científica, aquela ‘descrição detalhada de processos mentais’ que Freud se recusara a ser obrigado a adotar".

Aurelia Kronich, Katharina, "foi um caso agradável para mim", escreveu Freud. Appignanesi-Forrester escreve que "foi assim que essa filha de estalajadeiro, com quem Freud conversou no alto de uma montanha de dois mil metros de altura num dia de agosto de 1893, se tornou a demonstração da nova terapia radical e da teoria da histeria que ele e Breuer propunham". Foi através destas primeiras pacientes — e com a colaboração delas — que Freud "formatou" os princípios da sessão psicanalítica como seria consagrada no século 20.

Serviço:

As Mulheres de Freud, de Lisa Appignanesi e John Forrester. Editora Record. 728 págs., R$89,90. Ensaio/Teoria Literária.

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