• Carregando...
Cena de The Lobster, “A lagosta”, que Lanthimos apresentou em Cannes neste ano, falado em inglês e com Colin Farrell e Rachel Weisz. | Divulgação/
Cena de The Lobster, “A lagosta”, que Lanthimos apresentou em Cannes neste ano, falado em inglês e com Colin Farrell e Rachel Weisz.| Foto: Divulgação/

É provável que após terminar de assistir Dente Canino (2009) – ganhador da mostra Um Certo Olhar, em Cannes, e indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro – e Alpes (2011), filmes do cineasta grego Yorgos Lanthimos, você tenha alguma reação imprecisa.

Ou ficará encucado, pensando em como ele chegou aos temas, na construção dos roteiros, nas analogias expostas. Ou as duas coisas juntas (quando terminei de ver Dente Canino, fui checar se a minha cachorra estava bem, além de amassá-la com um longo abraço).

É espantoso como Lanthimos consegue desconstruir ambientes familiares tradicionais. Ele os mostra em diferentes perspectivas estruturais, totalmente não convencionais. Comparado ao dinamarquês Lars Von Trier pela crítica especializada –talvez pela inventividade e pelos roteiros esquisitos e impactantes –, o grego expõe duas ficções hipersensíveis e viscerais, montando constantemente cenários minimalistas em que as emoções dos personagens se conectam.

A queda de um dos dentes caninos – algo espontaneamente impossível na idade dos intérpretes – é a condição para que três adolescentes possam sair de casa. Eles vivem numa casa isolada, cercada por um muro enorme, sob os cuidados do pai e da mãe. Jamais tiveram contato com a sociedade e com o ambiente externo. Tudo o que eles identificam vem de dentro, das coisas impostas e ensinadas pelos pais.

Yorgos Lanthimos cria em Dente Canino um círculo familiar impenetrável. Tudo o que vem de fora do cerco estabelecido é perigosamente influenciável.

Como viver?

Editora Objetiva publica no Brasil os livros da School of Life, organização criada por filósofo suíço para ajudar as pessoas a desenvolver inteligência emocional

Leia a matéria completa

O significado de palavras vistas como ameaçadoras ao sistema desenvolvido pelos genitores, expressões que imprimam algum sentido ao que é julgado “externo”, são completamente modificadas, como se a etimologia da palavra fosse algo totalmente mutável, em constante transformação. Mar, por exemplo, é uma cadeira de couro com braços de madeira; estrada é um vento muito forte; uma arma é um lindo pássaro branco.

Figurativamente, é como se você resolvesse sentar no mar para ler um livro e tentasse matar alguém com um lindo pássaro branco.

O sociólogo francês Émile Durkheim escreveu em Educação e Sociologia que “a educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social”.

No filme, o cineasta grego modifica parcialmente a definição de Durkheim, fazendo do sistema educacional recluso apresentado na narrativa algo voltado para os princípios e regulamentos internos determinados pelos pais, jamais pensando no contexto social. Uma forma de questionar, implicitamente, os métodos educacionais padronizados pela sociedade contemporânea.

Num paralelo com a obra do escritor americano David Foster Wallace (1962-2008), pode-se dizer que o título do conto que abre o livro Breves Entrevistas com Homens Hediondos define o enredo do ponto de vista dos adolescentes: “Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial”.

A competência do “novo cinema grego”, protagonizado por jovens diretores que exploram temáticas originais e surpreendentes causa inquietação pela crise econômica, social e política que assola a Grécia.

A produção de filmes como Dente Canino, Alpes e Miss Violence – primeiro trabalho de Alexandros Avranas e que tem como fio condutor o suicídio de uma menina de 11 anos no dia de seu aniversário – destaca-se num cenário completamente avesso. É como se algum fenômeno atingisse a produção cinematográfica grega e a alimentasse, excessivamente, de motes reflexivos e excêntricos.

Lanthimos já explicou que não é possível obter capital privado para a realização dos filmes por causa de uma lei. A captação de recursos só é feita através do Centro Cinematográfico Grego – órgão que, segundo o diretor, beneficia apenas cineastas específicos e de renome. A dificuldade de conseguir dinheiro é o principal argumento dos diretores para procurar outro lugar para filmar. No fim, o êxodo é praticamente inevitável.

Dois anos depois de Dente Canino, ele continuou explorando particularidades do ambiente familiar no filme Alpes. A história fala de um grupo de pessoas responsáveis por substituir entes próximos – que já morreram – nas famílias. Um auxílio ao processo de adaptação ocasionado pela perda. Por algum tempo, eles suprem a necessidade da família desempenhando ações comumente exercidas pela pessoa que morreu.

Há uma relação de poder intrinsecamente ligada ao nome do grupo. Uma metáfora desenvolvida pelo diretor. “O que é formidável nas montanhas dos Alpes, é que ao mesmo tempo em que não podem ser substituídas por nenhuma outra, elas podem tomar o lugar de todas as outras”, sentencia um dos membros.

Ao passo que vão se envolvendo com os familiares, os participantes comprometem-se com suas vidas paralelas, ao ponto de um deles colocar em cheque a própria identidade e comprometer a existência do grupo.

Você pode estar se perguntando se as histórias criadas têm algum fundo de verdade, ou se elas são baseadas em algum experimento. É praticamente impossível, ao fim dos dois filmes, não pensar um pouquinho sobre isso. É como se o grego nos induzisse a esse pensamento, retirasse o caráter fictício das produções e arrematasse: “O ser humano é capaz de coisas absurdamente grotescas. O que acabei de apresentar pode ser real, sim. Não se espantem. Ou melhor: tenham consciência”.

Yorgos Lanthimos nos “quebra” ao construir histórias complexas e incomuns, permitindo interpretações múltiplas, e nos “reconstrói” ao proporcionar reflexões além dos minutos de exibição dos filmes.

Ao levar o Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2015 por The Lobster, ele reforça o bom momento do cinema grego. É necessário reconhecê-lo.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]