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“Joaquim” concentrar narrativa no período em que Joaquim ocupa o cargo de Alferes da Guarda Militar | Divulgação/
“Joaquim” concentrar narrativa no período em que Joaquim ocupa o cargo de Alferes da Guarda Militar| Foto: Divulgação/

“Uma poesia cotidiana do século 18”. Essa é uma definição do cineasta Marcelo Gomes (“Cinema, Aspirina e Urubus”) para seu filme “Joaquim”, que coloca o Brasil novamente na disputa do Urso de Ouro no próximo Festival de Berlim. O longa integra a relação dos quinze filmes divulgados até agora que concorrerão ao prêmio máximo da 67ª edição da Berlinale, que acontece de 9 a 19 de fevereiro.

O filme é centrado na figura de Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), mais conhecido como Tiradentes, o soldado do Império que se transformou no líder da Inconfidência Mineira.

O diretor pernambucano, que volta ao festival – onde esteve em 2014 como roteirista de “O Homem das Multidões”, de Cao Hamburger, selecionado naquele ano para a Panorama – se diz muito feliz com a seleção. “É fantástico”, afirmou em entrevista à Gazeta do Povo.

“Primeiramente porque Berlim é um festival que se interessa por filmes de temática política e nosso filme quer refletir sobre as fraturas sociais provocadas pelo processo de colonização de nosso país. Essas fraturas são as mesmas que aconteceram em outros países da América Latina, África e Ásia. Segundo, porque teremos uma visibilidade imensa e, para nosso filme – com pouca verba de divulgação – isso é fundamental”, diz Gomes, destacando o perfil do festival.

“A Berlinale é um festival aberto, com a presença da crítica e do público, e assim poderemos ter um primeiro contato com uma camada diversa de espectadores e sentir as primeiras reações. Participar da competição já é o nosso prêmio maior”, afirmou o cineasta, que concorre ao Urso de Ouro dois anos depois de Karim Aïnouz ter estado na competição com “Praia do Futuro”. A última vez que o Brasil ganhou o prêmio principal de Berlim foi com “Tropa de Elite”, de José Padilha, em 2008.

Processo de transformação

A proposta do filme de Gomes é tentar entender o processo de transformação do alferes Joaquim José da Silva Xavier, que passou à história como Tiradentes. Nesse sentido, ele decidiu centrar a história na dimensão humana, no homem comum que foi Joaquim antes da construção do mito que depois ele se tornaria.

“Nos filmes sobre a Inconfidência Mineira, o personagem Tiradentes é representado sempre de uma forma glorificante, mítica e por vezes até endeusado. Além disso, a narrativa desses filmes tenta fazer uma biopic, ou seja, a compilação de toda a vida do herói (infância, juventude e fase adulta) para desembocar na sua participação no movimento da Inconfidência Mineira”, ressaltou o diretor explicando porque no seu filme procurou retratar a vida de Tiradentes a partir de outro ponto de vista.

“Primeiramente retratá-lo como um brasileiro comum: seus defeitos, contradições, medos, ambiguidades, com um caráter verdadeiramente humano. Em seguida, decidimos concentrar nossa narrativa no período em que Joaquim ocupa o cargo de Alferes da Guarda Militar e realiza viagens pelas precárias, lamacentas e perigosas estradas das Minas Gerais à procura de contrabandistas de ouro”, detalhou, revelando o fato que, para ele, era o mais curioso.

“O que levou um alferes da guarda real a tomar parte em um movimento conspiratório contra a coroa portuguesa? Essa mudança de paradigma dentro de uma ética do século 18 era o que mais me interessava”, ressaltou.

Para Gomes, a partir de leituras de textos históricos, é possível entender que a consciência libertária nas Minas Gerais aparece logo após a independência dos EUA.

“A Constituição Americana familiariza a elite intelectual das Minas com a ideia dos ‘nativos da terra’. Não existia ainda essa consciência de brasileiro, mas surge um sentimento de que os nativos da terra detenham o poder político do lugar. Joaquim, embora não pertencesse a esta ‘elite intelectual’, viveu em contato com ela. Agora em minha ficção penso que o contato com as condições de vida dos africanos vindos ao Brasil como escravos e os índios nativos destratados pelo Império português também foram fundamentais para a tomada de consciência do personagem”, explica acrescentando que não foram somente as ideias iluministas que influenciaram Joaquim, mas também o caldo social e cultural, fundamental para sua tomada de consciência.

“E nesse sentido o filme é mais uma crônica sobre o Brasil colônia do que uma novela, mais uma poesia do cotidiano do século 18 do que um relato oficial”, conclui.

Os filmes que Gomes dirigiu e também os que roteirizou – entre outros “Deserto Feliz” e “Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo” – sempre tiveram uma grande identificação com os espectadores. Além disso, “Joaquim” traz à tona problemas sociais que ainda persistem por décadas no país o que, considerando ainda a tradição política da Berlinale, certamente dá chances ao filme de sair do festival com um prêmio debaixo do braço.

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