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 | Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo

Em seu livro “Fora de Série” o ensaísta canadense Malcolm Gladwell popularizou a ideia de que para você atingir um grau de excelência numa atividade qualquer seriam necessárias dez mil horas de “prática”. Um dos exemplos que ele menciona no texto são os Beatles.

Tudo bem que o senhor Jeová aparentemente deu um beijinho na testa da mãe Mary e da senhorita Julia quando elas engravidaram de James Paul McCartney e John Winston Lennon, mas o fato, lembra Gladwell, é que além de qualquer genialidade, quando os Beatles estreiam em disco eles tinham tocado ao vivo, provavelmente, mais do que qualquer outra banda do mundo.

Só em 1962, o ano imediatamente anterior ao estouro da banda, eles fizeram quase quatrocentos shows. Em Hamburgo, onde chegavam a tocar seis, oito horas por dia, à base a anfetaminas e cigarros, eles acumularam mais de 1200 horas de palco. E isso é palco. Com a tensão, a adrenalina e o prazer de tocar pra valer. Isso não é ensaio.

Quando foram pro estúdio, eles eram, como disse um invejoso Mick Jagger, um monstro de quatro cabeças. Quase uma coisa só.

Mesmo como compositores, Lennon e McCartney tiveram muita prática. Desde a adolescência (quando eles se conheceram Paul tinha 15 anos) eles se acostumaram a sentar juntos, olho no olho, como diziam, e tentar compor. Eles tinham talvez 30 músicas prontas antes de gravar a primeira.

E além de escrever, a gente tem que lembrar que eles viveram em tempos não só pré-internet, mas pré letras impressas nos discos, pré revistas de acordes. McCartney gosta de contar a história do dia em que eles entraram num busão pra ir pro outro lado de Liverpool conhecer um cara que, dizia a lenda, conhecia o acorde de Si com sétima!

E esse processo de aprender as músicas que queriam tocar, de anotar as letras, entender os acordes e os riffs, virou uma espécie de aula de anatomia. Mais prática. Desde o começo, as entrevistas dos dois (especialmente de Paul) são comentários “técnicos” sobre estrutura, harmonia, melodia.

Eles aprenderam fazendo. Dez mil horas. Aprenderam desmontando o que os outros tinham feito.

Ano passado McCartney falou do processo de compor uma canção em termos muito familiares a vários outros artistas criadores. Poetas. Pintores.

Sua lição era simples. Você começa, ele disse, e depois de um certo ponto a canção se compõe sozinha.

Desde que (pequena ressalva) você saiba compor canções.

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