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Dona Georgina Staufer-Bonilha é uma guitarra romântica. Uma cópia de um instrumento fabricado em torno de 1850 por Georg Staufer. Ela foi feita, pra mim, pelo luthier Régis Bonilha, de São Paulo.

Eu ganhei Dona Georgina de presente da Sandra, quase dois anos atrás.

Pra mim, ela tem de saída a vantagem de ser toda menorzinha que um violão normal. Eu tenho mão pequena, e toda bichada de L.E.R. Fora isso, ela tem um som lindo, delicadíssimo, super rico de nuances e possibilidades. É uma delícia de tocar e um prazer de se ouvir (se tocada por alguém melhor que eu).

Só que ela vem de um tempo em que o violão não era instrumento de concerto, “público”. Era um instrumento de salão, pra ser tocado em casa, em festinhas pra poucos. Paganini, o violinista endiabrado, tocava guitarra romântica. Berlioz, o sinfonista megalômano, tocava guitarra romântica.

Era o segundo instrumento. Um hobby. Coisa pra mostrar pros amigos depois da janta.

Toda a história do violão a partir daí, desde os projetos de Antonio de Torres (por trás de quase todo violão clássico), até as inovações mais radicais de Thomas Humphrey, no fim do século XX, se resume a conseguir o que os músicos chamam de mais “projeção”. Mais volume.

E isso só no violão “clássico”, parente do violão de cordas de nylon da MPB. Se a gente for entrar no mundo das cordas de aço, com Martin, Maccaferri… se a gente for entrar na questão da eletrificação, com Fender, Gibson… Cada um desses passos buscou levar a música pra um número maior de pessoas.

Dona Georgina não se faria ouvir, sem microfone, nem no Teatro do Paiol.

Perdeu-se algo?

Claro. O som das cordas de tripa, a riqueza dos harmônicos, a suavidade… Mas perdeu-se em nome de algo que a gente poderia chamar de “democratização”. Ampliação de acesso.

Por que eu estou te falando de todas essas coisas desinteressantes pra quem não é da área?

Porque Dona Georgina, que eu amo, é um símbolo do espectro de Versalhes num mundo pós-revolução francesa. Ela é minha. E eu considero um luxo, sim, mas meu luxo.

Mas a cada vez que alguém defende certos tipos de nostalgia (ah, o tempo dos alfaiates [quando uma camisa custava um mês de trabalho e os empregados das casas ricas ganhavam tecido no Natal pra fazer eles mesmos seus uniformes]), cada vez que certos tipos de passadismo ganham defesa (ah, a agricultura familiar [quando as famílias só comiam o que saía da horta, e o mundo não precisava alimentar quase oito bilhões]), eu penso nela.

E fico meio triste.

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