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 | Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

O grande impressionismo do pintor Edgar Degas (1834-1917) foi cunhar o aforisma que percebe que todo o mal que existe no mundo deve ser posto na conta dos filósofos e dos arquitetos. Com seu admirável sarcasmo, o pintor toca no fundamental: a cabeça e pra onde ela olha.

Um passeio pela cidade de Brasília é um elogio a Degas. Pedindo licença pelo primeiro olhar– sei que há muita gente boa que se apaixonou por Brasília, chegou e ficou – a capital me parece um grave erro.

Um cidade delírio. Pesadelo pensado por arquitetos notáveis que cometeram o erro de ter o seu projeto aprovado. Em um concurso de arquitetura, eu no júri daria ao projeto de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa uma menção honrosa com uma ressalva: nunca será construído.

A cidade nega a brasileiríssima instituição do encontro, onde se deixa e sempre se recebe um tanto. Brasília une o pior das ideologias do século em que foi criada. Do velho comunismo traz a impessoalidade absoluta. Tentar ser um indivíduo em Brasília é ser esmagado pelo espaço. Deve-se aprender a função de ser mais um do povo, ser parte de uma entidade azul e imaterial. A sensação é sempre de que alguém mais brilhante está pensando por você e decidindo o que você pode querer.

Do capitalismo mais atroz, Brasília é um elogio a ideia da autoridade, do “homão” , da verticalização do poder que é a assinatura trágica do país. Os críticos do sistema penal no mundo costumam começar com um discurso que diz que as penitenciárias seriam “escolas do crime”, o covil onde criminosos de menor potencial confinados com grandes pecadores não fariam outra coisa que não se tornarem mais raivosamente criminosos.

Ainda que eu tenha lido boas críticas a este discurso aplicado à questão carcerária, concordo na maior parte, mas não consigo pensar em um lugar em que esta ideia exploda como verdade maior que Brasília, o estágio anterior, diria um gaiato.

Ao trazer para o inóspito cerrado a “elite” politica nacional ( os caras com democráticos mandatos para representar o povo), a arquitetura de Brasília os afastou da vida vivida e lascada do povo brasileiro. O político brasileiro não encontra o eleitor no posto de gasolina, no restaurante , na saída do colégio.

Não convive nem com a própria família, pelo bem e o mal que isto representa.

Em suma, não vive os desafios morais da circunstância da convivência, tão importante para a vida de nós mortais.

Fora as exceções que confirmam a regra da vida, Brasília é um cenário de um grande cartum ensolarado, em que o poder é o material de troca para desumanizadas relações o tempo todo.

Pense num erro brabo.

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