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Romário Borelli, autor de O Contestado, peça épica que terá apresentação única hoje | Priscila Forone/Gazeta do Povo
Romário Borelli, autor de O Contestado, peça épica que terá apresentação única hoje| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo

Para um dramaturgo formado em meio aos ideais brechtianos, socialistas, com os quais Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri conduziam o Teatro de Arena, como é o caso de Romário Borelli, a estreia de sua peça mais importante, o musical O Contestado, com toda a pompa de uma montagem "hollywoodiana", não poderia ser recebida sem, no mínimo, um estranhamento.

O ano era 1979, e o espetáculo, dirigido por Emílio di Biasi para o Teatro Guaíra, foi festejado pelo público e pela crítica. O caráter de "megaprodução", envolvendo um elenco de 30 pessoas, entre atores consagrados como Odelair Rodrigues e músicos, e com uma cenografia "fantástica", no entanto, incomodou um pouco. "Agora, já me acostumei", diz o escritor e musicista, entre lembranças.

Passaram-se, afinal, 30 anos. Outras muitas montagens se sucederam. Borelli conta 22 encenações diferentes: "Dizem que é a peça mais montada do sul do Brasil".

Será vista novamente pelos curitibanos apenas hoje, às 20h30, no Colégio Estadual do Paraná. A montagem de O Contestado, vinda da pequena cidade catarinense de Joaçaba, chamou a atenção do autor – também catarinense, mas radicado na capital do Paraná – pela sua beleza plástica. "Coisa que pouca gente sabe é que Joaçaba tem um dos melhores carnavais do Brasil. E o (Jorge) Zamoner é um grande artista plástico", diz Borelli, ressaltando os talentos do diretor do espetáculo. Um dos principais carnavalescos do município, antigamente pertencente ao Paraná, mas que passou a integrar o estado vizinho exatamente na resolução da Guerra do Contestado, um conflito armado que envolveu a disputa de terras, entre 1912 e 1916.

A montagem atual tem o toque de algumas artistas residentes em Curitiba, nascidas lá. Márcia Moraes, produtora da CiaSenhas, é uma das responsáveis pela maquiagem. Fernanda Zamoner, atriz da mesma companhia, assina cenário, figurino e divide a coreografia com Wladimir Vieira.

Pós-Arena

O Contestado começou a ser escrito em Paris, em 1971. Depois que as ações brutais dos guardiões da ditadura cravassem marcas em Borelli, espancado por ter tocado piano em uma apresentação de Roda Viva, no triste episódio em que os artistas do musical de Chico Buarque sentiram a força física da censura, em 1968. Depois também de Boal ter sido preso pela mesma ditadura. E o Teatro de Arena, do qual Borelli chegou a ser diretor musical, ser fechado pela polícia.

O catarinense se juntou ao Arena em 1966, como convidado para tocar em uma peça infantil. "Eu estudei música e literatura e tinha uma consciência política socialista, mas não sabia o que fazer com tudo aquilo. Quando assisti a Arena Conta Zumbi, vi que ali tinha tudo o que eu queria fazer da vida", conta. Arte feita com um sentido político.

Em uma viagem com o Arena para a Argentina, pouco antes da extinção do Teatro, conheceu o poeta Athaualpa Yupanki, que o despertou para a riqueza da cultura regional. "Saí com aquilo na cabeça: fazer alguma coisa sobre o Contestado, já que nasci em Porto União. Fui me aprofundar no assunto e acabei terminando de escrever em 1972." A censura ainda era uma sombra que pairava sobre a arte, e só o nome da peça já soava como provocação. "Então dourei a pílula, fiz uma introdução meio genérica contando a história de Santa Catarina."

A primeira grande montagem aconteceu na USP, em 1974, dessa vez refeita sem os rodeios para agradar o governo. Não saiu incólume. "De vez em quando a polícia federal apagava as luzes do teatro. Eu encostava meu Fusca ao lado do departamento de História, acendia os faróis para o palco e apresentávamos a peça assim. Depois, saíamos empurrando o carro sem bateria", conta.

Com objetivos claros no horizonte – a democracia e a luta socialista –, o momento era propício para uma arte engajada. Hoje, o cenário é outro. "Estamos sufocados por uma história confusa, que ainda não se restabeleceu, na verdade, depois de vinte anos de ditadura. Leva tempo para se restruturar em todos os sentidos, inclusive no estético", acredita Borelli.

Em O Contestado, identifica a questão ainda atual da reforma agrária. A peça faz parte do programa de estudos do Doutorado em Teatro da USP, menos por seu conteúdo, mas pela transposição da estrutura brechtiana épica para o teatro brasileiro. Borelli ministra aulas de encerramento de semestre. Em ocasiões como essa, trava contato novamente com a dramaturgia. Outros momentos, o multiinstrumentista dedica à música. Seu desafio atual é passar a obra de Tom Jobim para o bandoneon. Pretende gravar um disco no ano que vem, e fazer shows.

Serviço:

O Contestado. Colégio Estadual do Paraná (Av. João Gualberto, 250), (41) 3304-8975. Texto de Romário Borelli. Direção de Jorge Zamoner. Com o grupo Teatral Unoesc, o maestro Werno Klein e o coral da Unoesc. Dia 4 às 20h30. Ingressos à venda na UniCuritiba (R. Chile, 1.678), (41) 3213-8700. R$20 e R$10 (meia).

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