• Carregando...
 | Felipe Lima/Gazeta do Povo
| Foto: Felipe Lima/Gazeta do Povo

Uma cozinha às claras com pai e mãe enrolando brigadeiros e uma menina passando granulados e ajeitando-os nas forminhas. Não havia micro-ondas, os relógios ficavam nas paredes. Mas nos lembravam das regras da existência infantil mais ou menos da mesma maneira que hoje:

Quase onze horas, já passou da hora de criança estar acordada.

Lá fui eu, franja rente às sobrancelhas, descer da cadeira de um jeito desajeitado o suficiente para conseguir esconder um docinho entre as mãos. Depositei a bolota preciosa dentro de uma casa de Lego e fui escovar os dentes – para sujá-los imediatamente depois, na surdina. Ao provar aquele brigadeiro, tão igual aos outros, mas inesquecível, viajei no tempo e antecipei em alguns minutos minha nova idade. Até senti que espichei alguns centímetros.

Não cairei na armadilha de dizer que sinto saudades da infância. Não gostava de ser criança quando era criança e gostaria menos ainda agora. Sinto saudades apenas da materialização imediata da comida de aniversário, pois há pais que garantem que a infância seja uma época onde a mágica realmente parece acontecer. Os convidados vêm mesmo que você não saiba como receberam o convite, há um palhaço que também já foi um coelho da Páscoa e o Papai Noel dali uns dias, sempre tocará uma música alta no repeat e um balão cheio de balas preso no teto será estourado ao final da festa.

Enrolei poucos brigadeiros depois de ter saído da casa dos meus pais e ido morar em Florianópolis. Aprendi que poderia comê-los de colher diretamente da panela, na data em que quisesse, na quantidade que quisesse. E aí o doce perdeu o status de comemoração para ser um prêmio de consolação. Nas festas de aniversário dali em diante, o quitute era prescindível. Bastava encomendar um bolo em uma boa confeitaria e fazer uma torta salgada. Os convidados costumam cuidar do resto: umas caixas de cerveja e chá gelado para os abstêmios. E esta foi a receita perfeita para que eu perdesse a noção de como se completam anos. Depois de alguns anos, o script perde a graça. Nem eu espicho mais.

No ano passado tentei fazer o rito de passagem acontecer com afinco e comemorei três vezes a mesma idade. Foi assim: peguei uma folga e fui passar quatro dias em São Paulo. Queria rever todos os amigos que saíram da pequena Florianópolis para o gigantesco umbigo do Brasil e poder comemorar com eles mais uma volta ao redor do Sol. Para ser justa com todos os círculos de amizade, marquei uma noite no Baba Salim, ali do lado do Teatro Guaíra, para receber a nova idade rodeada dos mais recentes colegas queridos (e falafel). Dias depois, embarquei para tomar cervejas três vezes mais caras em locais com comida duvidosa.

Não parei por aí: quis também almoçar em um lugar bacanudo (comer é mais importante que beber) e encontrar outra leva de amigos que não puderam ir ao bar. Fui à Vila Madalena e desembolsei R$ 60 em um buffet de saladas com suco e uma lasanha de abóbora aquém do esperado – e eu espero muito de restaurantes à la carte. Um ano se passou e acho que me arrependi do desbunde. Libriana que sou, ficarei até a véspera tentando decidir se marco algo e torcendo para que o dia demore a chegar. É que estou com a nítida sensação de que nunca mais conseguirei esconder um brigadeiro.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]