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Memória da Cana: cenografia permite experiência sensorial que altera a relação do público com a encenação | Bruno Tetto/Divulgação
Memória da Cana: cenografia permite experiência sensorial que altera a relação do público com a encenação| Foto: Bruno Tetto/Divulgação

Cabeças para pensar o Fringe

O ineditismo de ter algumas cabeças pensando o Fringe permite vislumbrar o que a mostra paralela pode se tornar, mas ainda não é. No início do ano, cogitava-se ter, além de Chico Pelúcio e Beto Andretta, também os diretores Paulo de Moraes (do Arma­­zém) e Enrique Diaz (da Cia. dos Atores) como programadores de salas teatrais. É uma perspectiva a ser mantida e ampliada, de modo inclusive a que se possa cobrar desses curadores uma linha de pensamento sobre teatro, como se cobra dos responsáveis pela Mostra Con­­tem­­po­­rânea.

Não foi um ano de grandes surpresas na mostra paralela, porém a seleção prévia garantiu uma cota de bons espetáculos superior à que se via nas últimas edições: A Noite dos Pa­­lhaços Mudos, no Cleon Jac­­ques. Ca­­chorro! e Não sobre o Amor, no reaberto Teatro HSBC. De Como Fiquei Bruta Flor, no Novelas Curiti­­ba­­nas. Todos esses, trabalhos de grupos já consolidados.

Se uma "revelação" pode ser apontada é o grupo Quatrolos­cinco, de Belo Horizonte, com o espetáculo É Só uma Formalidade. Ganhou público dia-a-dia no Mini-Guaíra, estabelecendo uma relação cúmplice com a pla­­teia, numa montagem inventiva na estrutura (rounds de um combate) e no recurso às metáforas para revistar o fracasso das relações sentimentais, trocando o sentimentalismo pela sutileza até no uso da ironia. A peça já veio reconhecida da capital mineira. Curitiba se tornou sua primeira vitrine fora de casa, e, espera-se, há de catapultá-la para outros festivais e palcos do país.

Fora das salas programadas, o Fringe se estende como uma vasta mostra da produção curitibana, portanto, sujeita aos altos e baixos das companhias locais. O Teuni concentrou alguns bons espetáculos da temporada passada, com destaque para o solo The Cachorro Manco Show, grande momento do ator Leandro Daniel Colombo. No TUC, a reunião de companhias iniciantes resultou em uma programação de qualidade irregular.

O excesso de oferta – ou "excesso de democracia", como se responde nos bastidores à concepção de que o Fringe seja um espaço democrático aberto a qualquer um – se traduziu em falta de público até para comédias comerciais.

É bater na mesma tecla, mas como evitar? Espectadores que caem em montagens precárias ano a ano desistem do Fringe. O investimento crescente em programadores e a cobrança do re­­gistro profissional, para afastar amadorismos, se impõem urgentes.

  • Não sobre o Amor: projeções, cenário, luz e texto em harmonia
  • Quatroloscinco despontam com É Só uma Formalidade
  • Público se rende a In on It, mas ator reclama do Guairinha
  • Simplesmente Eu: Beth Goulart faz jus a Clarice Lispector

O 19.º Festival de Curitiba se fez de momentos. Uma panorâmica pela programação revela mais produções medianas do que a Mostra Contemporânea deveria comportar. No entanto, em determinados trabalhos encontrou-se um nível de qualidade recompensador, por ser capaz de instigar realizadores e público a refletir sobre o teatro que desejam ver e fazer, para além dos dias de março.

O mais emblemático dos exemplos é In on It, da Cia. dos Atores. Em apenas duas apresentações, a montagem dirigida por Enrique Diaz valorizando ao máximo os movimentos entre ficção e real propostos no texto do dramaturgo canadense Daniel McIvor planta um interesse renovador sobre as potencialidades de um teatro contemporâneo. Feito em concordância com a expectativa de compensação emocional do público.

Vida, da Companhia Brasileira de Teatro, é outra a desprender-se do drama em favor do jogo teatral – por maior importância que dê ao texto, à palavra trabalhada na tensão do instante do diálogo. Os atores levam mais de si à cena do que apenas a construção fechada de personagens, e as demais texturas da composição criativa, em especial a luz e a cenografia, não se submetem ao texto.

O cenário ganha autonomia também em Memória da Cana, oferecendo uma imersão sensorial na mais controversa das tragédias rodrigueanas. Armou-se no terceiro andar da Arena da Baixada uma casa de múltiplos cômodos separados por véus, dentro dos quais os espectadores se dividiam para assistir à encenação. Ao caírem os tecidos, a cana-de-açúcar cerca o ambiente com o odor doce e o assovio do vento. A ambiência altera o contato com a família desvairada que se perde em incestos, representada intensamente pelo grupo Os Fofos Encenam.

Ainda em Cinema, o ensaio aber­­to realizado pela Sutil Companhia, a cenografia e a sonoplastia são os elementos essenciais de um espetáculo que propõe uma outra maneira de portar-se como espectador, atenta ao ato de ver. E em Travesties, cenografia e luz dão grandiosidade a um texto denso de Tom Stoppard, que coube aos atores da Ópera Seca desmitificar pelo humor.

Houve espaço para produções que seguiam moldes mais tradicionais, nesse caso, sobressaltando o talento de intérpretes como Beth Goulart, aplaudida com entusiamos ao fim do monólogo Simplesmente Eu, Clarice Lispector; e Renata Sorrah, indicada como o ponto alto de Macbeth.

Quanto aos grupos mais jovens, mostraram trabalhos que ainda os enquadram na categoria de promissores, como Rebu, O Ruído Branco da Palavra Noite e Escuro.

Dias de desordem

O Festival de Curitiba se tornou um evento de tais proporções que não se tem conseguido dar conta de organizá-lo. Este ano, choveram reclamações por parte do público e dos artistas.

Algumas delas ultrapassam a alçada do evento. Ao fim da primeira apresentação de In on It no Guairinha, o ator Emílio de Mello falou, em um discurso inflamado, do esforço feito para se apresentarem num local "que cheira a mofo, é cheio de ácaros e não tem ar-condicionado". As condições no Mini-Guaíra não eram melhores: nem papel havia à disposição das companhias. A Ópera de Arame e o Teatro Positivo mais uma vez foram alvo de críticas quanto à acústica, em apresentações de A Loba de Ray-ban e Till.

O festival, contudo, responde por uma série de contratempos. Por ser editado com muita antecedência, o guia muitas vezes presta um desserviço ao espectador, informando horários e endereços errados. Assim, perdeu a úl­­tima apresentação de Ca­­chor­­ro!, às 20 horas, quem confiou no programa impresso, que a anunciava para as 21 horas.

O endereço trocado do Teuni rendeu dores de cabeça às companhias e ao público. E longos atrasos irritaram espectadores de Música para Ninar Dinossauros (um recorde: começou 2h42 minutos depois do horário), O Papa e a Bruxa, Exotique e As Meninas.

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