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Sergius Erdelyi se inspirou no xadrez para fazer Ars Aeterna: “Sou tão bom que jogo no computador e, em meia hora, estou perdido" | Walter Alves/ Gazeta do Povo
Sergius Erdelyi se inspirou no xadrez para fazer Ars Aeterna: “Sou tão bom que jogo no computador e, em meia hora, estou perdido"| Foto: Walter Alves/ Gazeta do Povo
  • A máquina fotográfica digital é indispensável nos passeios do artista

Sergius Erdelyi quer ser eterno. Seus 91 anos de vida lhe renderam mais de quatro mil obras de arte, patentes de máquinas de costura, a invenção de um aquecedor domiciliar e até museu próprio. O uso de bronze na sua última mostra Ars Aeterna não foi ao acaso. "Fico pensando no que falariam se encontrassem minha obra daqui a cinco mil anos. Qualquer outra pintura você pode destruir, essa aqui não. Isso é muito excitante."

Nascido na antiga Iugoslávia e criado em Viena, capital da Áustria, o engenheiro mecânico nunca precisou ou quis viver da arte: usa as esculturas como "terapia". "Pode me chamar de artista de fim de semana. De vários fins de semana." É instável, artisticamente falando, já que muda o estilo e as formas quando bem entende, justamente por não depender dela. Diz orgulhoso, com um sotaque carregado e algumas palavras em alemão no meio, devidamente traduzidas pela segunda esposa, Elizabeth Loibl Erdelyi, que é completamente livre. "Mesmo nas várias exposições e bienais de que já participei (22, desde 1952), nunca precisei mudar. Se você depende de um marchand e ele gosta de um estilo, vai querer que você continue aquele para vender. Ele praticamente te escraviza", diz.

Em Ars Aeterna, usou como tema o jogo de xadrez. O vermelho nas paredes da sala no Memorial de Curitiba com as peças de bronze passam a sensação de uma mescla de elementos usados em filmes do sueco Ingmar Bergman. A inspiração, porém, não veio do cineasta. "Sonhei com as minhas figuras e as construí. Veio naturalmente." Erdelyi gosta do jogo, mas não se considera um perito. "Sou tão bom que, no computador, jogo no primeiro nível de dificuldade e, em meia hora, já estou perdido", conta rindo. A internet e as invenções eletrônicas não são um bicho de sete cabeças, muito pelo contrário: máquina fotográfica digital em punho, sai fotografando o que vê e as pessoas com quem fala. "Só neste chip aqui já tem 279 fotos."

De sorriso fácil, quase sempre solta risadas no fim das falas. Não fica desconfortável nem para contar sobre sua participação na Segunda Guerra Mundial, para qual foi convocado aos 22 anos, lutando pelo Exército alemão. Por sorte foi parar na França e não na Rússia, onde 104 dos 108 colegas que lutaram morreram. "Minha mãe insistiu para eu falar francês. Esses conhecimentos salvaram a minha vida." Sobre a convocação, diz não ter sentido nada. "Ou você ia ou era fuzilado. Na guerra é assim".

Autodidata, é à mãe, a austríaca Leopoldine Erdelyi, que deve os conhecimentos de arte. Casada com o comerciante Michael Erdelyi e grávida de Sergius, ela começou a repassar os futuros dotes artísticos para o filho ainda na barriga. "Quando ela estava grávida leu muita coisa de arte, de grandes escritores. Quis alimentar o feto não só com o corpo, mas com cultura. Isso é muito recomendável para cada mãe. Em vez de fumar e pôr nicotina no pobre bebê, é pensar em como você quer que fique a pessoa que está dentro de você."

Erdelyi foi agraciado com os dotes de inventor: logo depois do final da Guerra, fez um aquecedor com óleo mineral. "Viena estava destruída. A única fonte boa era a de óleo, o carvão era racionado. O frio lá é muito rigoroso. Se você pode viver agarradinho toda a noite, tudo bem, mas não tem nem co­mo ficar dentro de casa com roupa sem congelar. Vendi muito, fiz a minha primeira fortuna." Em seguida, fundou a fábrica de máquina de costura elétrica Etina (20 patentes registradas).

Solidão é algo que o aflige. Casou-se em 1948 com a primeira esposa, Stefany, com a qual viveu por 60 anos. Viúvo, casou-se novamente com Elizabeth, em 2008. "Ficar sozinho não é bom." Ambos desconversam e dizem que a história dos dois é "muito longa para contar". "Ele casou porque não tinha ninguém com quem conversar em alemão. Os cachorros entendem, mas não respondem", diz a esposa. "Bem, é um bom motivo para casar, né?", responde Erdelyi às gargalhadas. Mesmo com medo de ficar só, não teve filhos. "Esse mundo não merece que a gente deixe alguém que sofra como nós. Não tive filhos, só cachorros."

Brasil

A paixão pelos cachorros (são mais de dez na fazenda onde vive, em Tijucas do Sul, na região metropolitana de Curitiba) foi um dos motivos pelos quais escolheu o Brasil para emigrar, em 1953. Além de o país ser o único que não havia filas nas embaixadas, o pastor alemão Peter não precisaria chegar 40 dias depois do dono. "Ele era muito bonito, parecia um lobo. Só apresentei o atestado de um veterinário e embarquei em poucos dias." Em São Paulo, foi diretor da Indústria Brasileira de Máquina de Costura e fundador de diversas empresas. Resolveu fugir do estresse da cidade grande e veio para Tijucas do Sul em 1974 (onde já recebeu título de cidadão honorário). Construiu outros empreendimentos, entre eles, uma reflorestadora. "Até hoje sigo trabalhando. Tenho atividade contínua, isso é importante para a gente viver".

Em Tijucas, Sergius Erdelyi construiu um museu com o nome dele na região da Lagoa, onde está boa parte da sua produção, e fez 42 vitrais de mosaicos de vidro na Igreja Nossa Senhora das Dores. Mosaico, aliás, é uma das obras da qual tem mais orgulho: na Biblioteca da PUCPR, ele criou 150 m² de vitrais que tomam boa parte da extensão do terceiro andar. Ficou três anos montando pecinha por pecinha. "Deu grande satisfação."

Sergius Erdelyi se considera, sim, um homem de sorte. Mas a atribui ao seu anjo da guarda, que batizou de Helius, o principal responsável por tanta coisa boa. "Ele está aqui na minha frente, viu? Olhando para nós."

Serviço

A exposição Ars Aeternafica até o dia 29 de maio no Memorial de Curitiba. De terça a sexta-feira, das 9 às 12 horas e das 13 às 18 horas.

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