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São apenas três minutos de filme, mas duram uma eternidade. No Bates Motel, Marion Crane re­­cuperou o equilíbrio emocional e resolveu devolver os 40 mil dólares que roubara. Tira a roupa para tomar um reconfortante banho de chuveiro, que é também um ritual de purificação. Mal começa a lavar o corpo sob a ducha é atacada com oito punhaladas mortais de uma faca de dois gumes. O assassino, vislumbrado através da água do chuveiro, parece uma mulher, supostamente a mãe de Norman.

Nunca uma cena de cinema foi tão discutida e dissecada, dando origem a vários livros, um deles especificamente sobre o episódio, The Girl in Alfred Hitch­­cock’s Shower (2010), de Robert Gray­­smith, que afirma que a dublê de Janet Leigh, Marli Renfro, é o corpo que aparece em muitas cenas dentro do chuveiro. Já a própria Janet, no livro de 1995 Psycho/Behind the Scenes of the Classic Thriller, afirma: "Inquestionavelmente, sem nenhuma dúvida, eu estive naquele chuveiro durante sete dias muito mo­­lhados. Fiquei naquele chuveiro tanto tempo que minha pele começou a parecer uma ameixa seca". A dublê foi usada quando Norman retira o corpo do banheiro, o embrulha na cortina de plástico e o joga no porta-malas do carro de Marion.

Outra lenda a ser desfeita sobre a famosa cena: Hitchcock não botou Janet Leigh sob água gelada para exacerbar sua reação de pânico. Segundo ela, o diretor foi bastante generoso com o fornecimento de água quente. Os gritos no episódio são todos de Janet — e altamente convincentes. A cena foi filmada em sete dias, de 17 a 23 de dezembro de 1959. Dura pouco menos de três minutos, exigiu diversas câmeras distribuídas em 77 ângulos diferentes e incluiu 50 cortes. O sangue que escorre até o ralo não é o costumeiro sangue cenográfico, mas calda de chocolate, que funciona melhor na filmagem em preto e branco. Grande parte da dramaticidade da cena se deve à música de Bernard Herrmann: aos guinchos de violinos durante as facadas e aos ostinatos de violoncelos e contrabaixos enquanto o corpo cai e ainda tenta se agar­­rar à cortina de plástico, arran­­can­­do-a dos prendedores. O ruído da faca entrando na carne de Marion foi feito por um contra-regra apunhalando um melão. Toda a ma­­gia da cena foi construída na montagem das centenas de me­­tros de celulóide rodados durante a semana.

Hitchcock, com sua fabulosa cultura cinematográfica, inspirou-se na técnica de superposição de imagens dos mestres russos do cinema mudo. A boca de Janet Leigh que se abre num grito de terror lembra a cena lendária do tiroteio nas escadarias de Odessa em O Encouraçado Potemkin (1925); e ambas evocam um ícone da pintura, "O Grito", do norueguês Edvard Munch (ironicamente massificado pelas máscaras de Pânico que a gente vê até nas gerais dos estádios de futebol brasileiros.) A genial transição do ralo para o olho de Marion, morta com o rosto no chão do chuveiro, lembra o close do olho cortado por uma navalha em Um Cão Andaluz (1929), de Buñuel. Um detalhe curioso: a mulher de Hitchcock, a roteirista Alma Reville, percebeu após a montagem dois trechos "errados": o olho de Janet Leigh pisca e ela respira — falhas que foram devidamente cortadas.

O último mito a ser desfeito em torno da cena do chuveiro é de que ela teria sido "desenhada" pelo artista gráfico Saul Bass, autor dos títulos de Psicose e da maioria dos filmes de Hitchcock desta fase (inclusive do detalhe de olho na abertura de Vertigo/Um Corpo Que Cai.) Bass, além dos letreiros da abertura, chegou a desenhar storyboards para o filme, mas não foram usados por Hitchcock. O câmera principal do filme diz que não há uma cena sequer que ele não tenha rodado por indicação de Hitchcock. E um especialista na obra de Hitchcock diz: "Parece improvável, ou até impossível, que um perfeccionista com um ego como o de Hitchcock deixasse outra pessoa dirigir aquela cena".

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