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A sensação de impotência é a maior causa do medo gerado pelas epidemias. Essa é a opinião da professora e doutora em História da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Liane Maria Bertucci. Ela desenvolve estudos na área de história social da saúde e doença, tem livros publicados sobre o assunto e, recentemente, escreveu artigos acadêmicos sobre o medo e as grandes epidemias.

Em entrevista à Gazeta do Povo, ela fala sobre as principais causas do medo em época de infecção pelo vírus A (H1N1) e as modificações que correm no comportamento do indivíduo.

Podemos dizer que o medo é o maior sentimento presente nessa época de gripe A (H1N1)?

Acredito que sim. Em toda epidemia, o medo é acompanhado, em maior ou menor proporção, por uma sensação de impotência, pois a doença epidêmica é percebida por grande parte das pessoas como sinônimo de descontrole.

De que forma o medo se manifesta na sociedade durante uma epidemia?

Historicamente no Ocidente o medo em período epidêmico tem feito as pessoas se isolarem, pois o outro torna-se o inimigo, o mensageiro da doença e, muitas vezes, da morte. As epidemias, dependendo de sua letalidade e proporção, têm feito os indivíduos abandonarem seus valores e costumes mais enraizados, interrompendo atividades familiares, separando amigos e vizinhos, impondo o silêncio à cidade, o anonimato na morte e determinando a abolição de ritos coletivos de alegria e de tristeza, como mostraram os estudos dos historiadores Jean Delumeau e Georges Duby.

Então o medo apenas afasta?

Até durante a época epidêmica, o medo pode também impulsionar a solidariedade e a generosidade. Estudando a gripe espanhola foi possível perceber ações generosas das pessoas, divulgando o uso de um remédio caseiro (geralmente alho, cebola ou limão) ou os dizeres de uma oração que, acreditavam, poderiam salvar da terrível doença. Paralelamente, desde os primeiros casos confirmados de gripe espanhola no Brasil, muitos foram os leigos que ajudaram profissionais da área de saúde e autoridades governamentais no combate à epidemia. Os auxílios foram prestados de diferentes formas: o socorro individual aos doentes e seus familiares; o empréstimo de locais para atendimento aos gripados; a distribuição de comida aos necessitados; a realização de donativos às entidades que organizavam socorro aos enfermos – como a Cruz Vermelha Brasi­leira e as Cúrias Metro­politanas. Os jornais organizaram comissões de auxílio; clubes de futebol, empresas, igrejas, ordens religiosas e várias associações e ligas cederam espaço físico para socorrer as vítimas da gripe espanhola. Muitas pessoas ajudaram a angariar e a distribuir remédios e alimentos. A solidariedade foi efetiva, mas é importante considerar também que essa ação solidária foi, em vários casos, movida mais pelo medo de adoecer do que pelo amor ao próximo.

Você considera que existe um medo excessivo em relação a gripe A (H1N1)?

Considerando que a gripe é uma doença corriqueira que, devido a mutações, pode tornar-se extremamente grave, mas não acredito que o medo seja excessivo. Para muitas pessoas, somado ao medo ancestral que toda epidemia desencadeia, está a terrível constatação de que uma moléstia que consideram comum, a gripe, pode se tornar muitíssimo perigosa para a vida humana.

A imprensa da época da gripe espanhola também foi a grande responsável por disseminar informações sobre a doença e provocar um sentimento de medo?

Não acho que a imprensa foi ou é a responsável pelo medo, apesar de alguns exageros, em 1918 e em 2009. Durante a gripe espanhola, autoridades governamentais censuraram a imprensa em algumas cidades brasileiras e vários jornais foram publicados com colunas em branco. Mas a desconfiança de sonegação de informações importantes sobre a enfermidade não poderia levar os indivíduos do medo ao pânico? Imprescindível é que o bom-senso impere nos meios de comunicação.

Quais outras epidemias que causaram medo e pânico ao longo da história?

Toda epidemia causa medo e pode gerar pânico – medo descontrolado. Um exemplo em­­blemático é a peste negra durante a Idade Média.

Até que ponto o medo é benéfico como forma de proteção à saúde das pessoas, especialmente em tempos de gripe A?

O medo é benéfico quando funciona como um alerta e resulta em ações preventivas, que podem ser simples, como, por exemplo, em tempos de gripe A, lavar cuidadosamente as mãos com água e sabonete, várias vezes ao dia. (AS)

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