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Serviço

Carcereiros

Drauzio Varella. Companhia das Letras, 232 págs. R$ 33.

Quando o lançamento de Estação Carandiru em 1999 causou uma repercussão estrondosa, Drauzio Varella achou que nunca mais escreveria sobre cadeia. Médico, desenvolvedor de projetos sobre saúde na televisão e voluntário na Penitenciária Feminina de São Paulo, sobra pouco tempo para o lado escritor. Depois de afastado do assunto prisão por anos, mas sempre mantendo contato com os amigos que fez no Carandiru (presídio desativado na capital paulista), ele volta ao assunto com o livro Carcereiros (Companhia das Letras), que chega hoje às livrarias. Atraídos pela segurança do serviço público, sem treinamento e sob constante tensão, esses homens aprenderam a ler a cadeia e a detectar sutilezas que, caso desapercebidas, culminariam em tragédias. O relato do ponto de vista dos trabalhadores do sistema, rico em detalhes, foi possível pela convivência do autor com seus retratados, muitos deles, amigos íntimos. Varella conversou por telefone com a Gazeta do Povo de seu consultório médico, em São Paulo. Ele falou sobre o seu processo de criação e disse que o único problema de sua vida hoje é o tempo para escrever. "Fico catando migalhas." Confira os principais trechos da entrevista:

Como foi falar de prisão novamente?

Quando eu escrevi o Estação Carandiru, o livro teve uma repercussão tão absurda que tomei um choque, achei que eu nunca mais ia falar de cadeia, porque esses assuntos são muito sensíveis. Escrevi outros livros sobre outras coisas, mas continuei trabalhando como voluntário [atende hoje na Penitenciária Feminina de São Paulo], que não é nenhum trabalho excepcional. Uma vez por semana fico lá cinco horas, atendo e venho embora. Mas mantive esse contato com os carcereiros nas reuniões que descrevo no livro [o grupo se encontra todo o mês], e um deles contou a história do túnel de fuga que eu já havia escrito no Carandiru, mas do lado dos presos. Achei interessante falar da mesma coisa, só que do outro lado. Tenho tanto prazer em escrever sobre esse tema que pensei em fazer algo para falar da cadeia do ponto de vista de quem toma conta dos presos, nunca li um livro com essa abordagem.

Todos os capítulos são muito ricos em detalhes. Qual o método de produção do senhor?

Algumas histórias acompanhei de perto e tinha na cabeça, por serem acontecimentos muito dramáticos. Também faço algumas anotações nas nossas reuniões, surgem coisas que são pérolas, e sempre anoto, pois um dia pode ser útil, não só para livros como para minhas colunas (no jornal Folha de S. Paulo e na revista Carta Capital). Outros casos interessantes que conhecia, mas não me lembrava bem, conversava com a pessoa que viveu e pedia para me contar, porque a graça está mais nos detalhes do que no enredo geral.

No livro, ficam claros os dilemas da profissão de carcereiro, como a rotina pesada, a necessidade de bicos para complementar a renda familiar, a tensão do ambiente e a exposição constante a riscos. Qual o principal motivo de seus amigos retratados terem escolhido a carreira, é a estabilidade do funcionalismo público?

Sem dúvida. Conheço apenas dois, que cito no livro, que entraram por ter atração pelo trabalho. Os outros não tinham noção do que era uma cadeia. Entraram porque apareceu um concurso, todos eles vêm de classe média baixa, é um trabalho com estabilidade, salário no fim do mês. E aí tinham aquele choque no ambiente que encontravam.

Ao longo da obra, o senhor coloca alguns depoimentos pessoais, como o seu interesse, ainda criança, pela observação do submundo das ruas de São Paulo, e até a raiva que chegava a sentir dos presos. Como foi escrever essas "confissões"?

(Risos). Essas coisas... Quando eu era criança e adolescente não achava que ter curiosidade pelo mundo do crime, de chegar perto de uma zona de prostituição, era normal. Eu tinha 12 anos, era uma criança. Não ia atrás de sexo, de jeito nenhum, mas do ambiente... Tinha muita curiosidade e depois ficava culpado. Era algo que eu nunca comentei com ninguém, e contar isso parece que te liberta. Quando você começa um livro é engraçado, parece que deixa de ser você, né? Vira um personagem, aquilo sai... Afinal, você não é obrigado a escrever nada, escreve porque gosta, e o interesse que pode haver no autor é justamente essas diferenças, não é verdade? Ele tem de ser sincero, você não pode trapacear com o leitor, não pode fingir ser uma pessoa que não é. Você tem que ser o mais sincero que puder ser.

O senhor tem várias atividades, tanto na medicina como na televisão, além das colunas. Como arruma tempo para escrever?

70% do meu tempo é vendo doente. O resto eu gravo televisão e faço as colunas. O tempo que me sobra para escrever é pequeno. O único problema da minha vida é esse, eu gostaria de ter mais horas para escrever. No geral, faço isso nos finais de semana, às vezes quando me sobra um fim de tarde, algo que acontece muito raramente. Os programas de televisão me obrigam a viajar muito, então eu escrevo muito no voo, no aeroporto, mesmo com aqueles idiotas berrando no celular, aprendi a escrever em qualquer ambiente. Fico catando essas migalhas de tempo.

E depois de Carcereiros, pensa em outro livro sobre prisão?

Acho que agora tenho obrigação de escrever um sobre a cadeia das mulheres (que deve se chamar Prisioneiras). Estou na penitenciária feminina há seis anos, vou acabar fazendo esse livro. Mas vai levar um tempo, porque cadeia de mulher é muito mais complicada do que de homem.

Mais complicada em que sentido?

Em todos. O homem na cadeia tem sempre alguém que vai visitar. Mulher entra na cadeia, todo mundo esquece. Ninguém vai ver, nem a mãe vai ver. A mãe vai ver o filho preso, a filha, não. Isso cria uma dinâmica completamente diferente. Mas, por enquanto, estou na entressafra.

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